domingo, maio 05, 2013

O poder transformador da educação



O projeto de vida de Elias Bonfim nasceu de uma de suas principais vontades – e também de sua maior carência. Natural de Cidade Gaúcha, município no Noroeste do estado, Bonfim mudou-se para Curitiba aos 17 anos com vontade de estudar, mas não tinha como pagar pelos cursinhos pré-vestibulares da cidade. Quase 15 anos depois, ele está à frente de um dos mais bem-sucedidos projetos educacionais para a população carente da cidade, o Formação Solidária. A iniciativa completou dez anos em 2012. Nesse período, atendeu, pelo projeto Cursinho Solidário, mais de mil estudantes de baixa renda e foi responsável por 62 aprovações em universidades federais no ano passado.
Localizado em duas sedes – uma no Colégio Luiza Ross, no Boqueirão, e outra na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), no Centro – o Formação Solidária nasceu dentro de outra ONG, da qual Bonfim fazia parte, o Comitê para Democratização da In­­formática (CDI), que mantinha uma de suas escolas na Vila Pantanal. “O cursinho existia na prática, mas ficava dentro das dependências do CDI. Aos poucos, além da inclusão digital, começamos a oferecerinclusão universitária”, explica.
Os amigos perceberam o espírito inquieto e o ímpeto de liderar de Bonfim. Muitos o ajudaram a expandir o projeto. O executivo Clécio Chiamulera foi o primeiro. Conseguiu um emprego para Bonfim e a estruturação necessária para a consolidação do Formação Solidária.
“O Clécio é uma pessoa muito bem relacionada, e herdei a maior parte dos contatos dele. Ele é rotariano da Cidade Industrial, e, em 2003, o Rotary se tornou nosso clube-padrinho e permitiu que nos instalássemos na sede da Rodoferroviária”, lembra Bomfim.
O atual presidente do Formação Solidária, o professor Luiz Claudio Machado, por sua vez, foi quem possibilitou que o pequeno curso de sete professores e pouquíssimos alunos se instalasse em 2003 na sede do colégio Bagozzi, no Portão. Junto com o espaço veio uma equipe de 16 professores titulares do terceiro ano do Colégio para dar aulas aos alunos carentes. Em 2009, o cursinho – com seus cem alunos e professores voluntários dos melhores pré-vestibulares da cidade – mudou-se para o Colégio Estadual Luíza Ross.
Aprovações
A primeira aprovação veio em 2002, primeiro ano do cursinho. “Tivemos a primeira aprovação em 2002, no ano seguinte foram dois; em 2004, sete. A partir daí foi aumentando. E deixamos de aprovar apenas nos cursos considerados fáceis. Colocamos alunos em cursos como Jornalismo, Direito e Engenharia Civil”, conta Bonfim, que fala dos efeitos práticos do projeto na vida dos estudantes. “É graças a essa formação que as pessoas mudam suas vidas, podem comprar um apartamento, um carro, sustentar a família.”
A busca por novas parcerias obrigou o curso a se profissionalizar, e, em 2004, surgiu oficialmente a ONG Formação Solidária. O slogan da organização não governamental – “Educação para Transformar a Realidade” –, explica sozinho a ideia do projeto, que é reforçado por outros dois programas além do cursinho: O Emprego Solidário, para encaminhar o jovem para um emprego, e o Universidade Solidária, que acompanha a vida acadêmica do aluno na faculdade.
Cargo público
Elias Bonfim não pensa em ocupar um cargo público no momento. Prefere terminar a faculdade de Relações Públicas, que concilia com as atividades na ONG. Mas garante que seu trabalho é essencialmente político e só existe por causa de uma carência no sistema de educação brasileira.
“O vereador tem muito pouco poder na cidade. No estado também não vejo muita gente interessada em atuar nessa área. E pudemos presenciar nos últimos anos manobras de bastidores para garantir bons níveis de aprovação na escola pública, o que não garante um melhor nível educacional”, comenta.
Iniciativa
Assim como Elias Bonfim, líderes comunitários surgem pela força de vontade e avançam graças a redes de contatos. Veja alguns itens importantes na consolidação de um projeto como o Formação Solidária:
Vislumbre a demanda
Um bom projeto social nasce a partir de uma carência da cidade que pode ser suprida de maneira paliativa. Saiba restringir o seu público-alvo e se esforce para ampliar as proporções de seu projeto.
Seja proativo
Colegas podem enxergar o seu espírito de liderança e validar seu comprometimento e seriedade perante a possíveis apoiadores.
Faça uma boa rede de contatos
Instituições filantrópicas como o Rotary Club apoiam projetos de cunho social e oferecem suporte administrativo para os projetos. A aproximação com instituições como essa também facilita a adesão de voluntários.
Documente os passos de seu projeto
Índices e registros ajudam na hora de conseguir patrocínios e apoios de futuros parceiros e mantêm um histórico do seu progresso.
Reportagens
Série mostra quem faz política longe dos cargos públicos
A política não se restringe ao exercício dos agentes políticos e muito menos está tomada por personagens mal intencionados. Qualquer ato capaz de transformar a realidade, seja a relação entre as pessoas, a infraestrutura de um bairro ou o empoderamento social, é um ato político, e muitos o exercem diariamente.
Com o objetivo de mostrar isso, a Gazeta do Povo traz uma série de quatro reportagens – a primeira delas publicada hoje e as outras ao longo dos próximos três domingos – intitulada Isso é Política. São exemplos de protagonismo social idealizados por pessoas sem qualquer relação com cargos públicos, que, munidos de iniciativa e capacidade de articulação, desempenham papéis fundamentais para a melhoria da cidade. Cada reportagem é acompanhada de um vídeo documentário que apresenta o entrevistado e seu trabalho.
Critérios
Para ingressar no cursinho, aluno tem de comprovar baixa renda
Para ingressar no cursinho pré-vestibular do Formação Solidária, é preciso passar por uma prova de conhecimentos gerais e por uma entrevista, além de comprovar baixa renda. Elias Bonfim, fundador da ONG, não permite que pessoas com melhores condições financeiras tomem o lugar de quem não tem como pagar.
“O aluno precisa entregar comprovantes de luz, água e telefone e os rendimentos da família. A renda familiar deve ser abaixo ou igual a um salário mínimo per capita, e, se comprovarmos que o aluno pode pagar um cursinho, ele é dispensado imediatamente”, explica.
A maioria dos alunos do cursinho está entre os 16 e os 35 anos, com uma quantidade curiosa de jovens do sexo masculino em torno de 25 anos. “É o menino que terminou o ensino médio e achou que já estava pronto para o mercado de trabalho. Foi lá, quebrou a cara e agora volta porque percebeu que precisa estudar. Então estamos também passando por uma mudança na mentalidade das pessoas sobre a importância do estudo”, observa o idealizador do projeto.

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