Eles não emitem som, não têm luzinhas piscantes ou alta tecnologia envolvida. Ainda assim os blocos de madeira comemoram 100 anos presentes em qualquer grande loja de brinquedos. E não devem sair das prateleiras tão cedo. Embora não seja possível datar quando a primeira criança usou pedaços de madeira para brincar, foi em 1913 que a educadora norte-americana Caroline Pratt criou um jogo de peças de madeira e passou a defendê-lo como importante ferramenta da educação infantil (leia mais ao lado).
Criatividade
A criança é que faz dos materiais um brinquedo
Fãs dos blocos de madeira, os filhos da terapeuta ocupacional e neurocientista Angélica Varejão têm o brinquedo em casa e na escola. Quando estão mais tranquilos, Otto, 5 anos, e João, 2, os aproveitam para diferentes encenações. “Até os 7 anos existe uma fase mais criativa e o brinquedo simples permite que crianças desenvolvam brincadeiras que partem da cabeça delas. Meus filhos têm brinquedos modernos, mas são os blocos que ajudam nessa fase da imaginação e da intuição.”
Eles estudam em uma escola da pedagogia Waldorf. Angélica elogia a filosofia desse modelo de ensino. “Há o momento em que a criança está mais retrospectiva, quando brinca com os bloquinhos, por exemplo, e o momento em que se solta, brincado de corda, subindo em árvore. Essa pedagogia tem respeito ao movimento natural.”
Poucos anos depois do aparecimento dos blocos de madeira, surgiu a pedagogia Waldorf. Idealizada pelo austríaco Rudolf Steiner, a pedagogia tem mais de mil escolas no mundo e além de valorizar o potencial dos blocos de madeira, faz uso de outros materiais orgânicos como pano, barbante ou argila.
Visionária
O legado de Caroline Pratt não se resume a pedaços de madeira
Tida como a criadora dos blocos de madeira, a educadora Caroline Pratt defendia o direito das crianças de frequentarem um jardim de infância, em uma época em que o comum era a criança pequena ser educada em casa. Também se posicionava contra o ensino repressor da época, chamando a atenção para a importância do estímulo do desenvolvimento infantil.
“Educação não é um fim em si, mas o primeiro passo para um avanço que deve continuar durante toda a vida. Em sua encenação, a criança não é mais apenas um espectador, é uma parte do mundo agitado dos adultos. Ao brincar, ele está praticando para tomar o seu lugar nesse mundo e recebendo a educação “, disse a educadora, em seu livro I Learn from Children, publicado em 1948 e com nova edição prevista para o ano que vem.
Aprendizagem
Os tijolos de madeira sempre apareceram como o “carro-chefe” da escola que ela fundou, a City and Country, que também se prepara para comemorar o centenário, em Nova York. Caroline defendia que os blocos eram os materiais mais adaptáveis ao aprendizado que se pode encontrar e que não se resumiam a objetos para brincadeiras livres, mas materiais que oportunizavam a aprendizagem das formas, tamanhos, escalas e estética.
“Os blocos podem permanecer apenas pedaços de madeira, a menos que sejam usados com as informações obtidas a partir das experiências do brincar. Então a forma geométrica que era simples pode tornar-se uma série de coisas para uma criança”, afirmou em seu livro. Caroline morreu aos 87 anos, em 1954, mas sua escola continua sendo procurada por educadores de todo o mundo para visitas e workshops.
A forma de encarar o desenvolvimento infantil e o ambiente escolar não são os mesmos do século passado, mas pesquisas vêm confirmando que Caroline estava certa: um bom brinquedo deve ser um incentivo e não um produto, e os blocos cumprem esse papel. Estudos da década de 1940 já demonstravam que os blocos ajudam as crianças a absorverem conceitos e a melhorarem as notas em matemática.
Em 2001 um estudo acompanhou 37 crianças da idade pré-escolar até o ensino médio e descobriu que aquelas que brincaram com blocos se saíram melhor no estudo da mesma disciplina. Mais recentemente pesquisas ampliaram os benefícios, comprovando que até para a aquisição da linguagem o uso desse material em sala de aula faz a diferença.
Para a psicopedagoga Ursula Marianne Simons, mestre em Psicologia Clínica e professora da Universidade Tuiuti, blocos de madeira ainda fazem parte da primeira infância e todas as escolas de educação infantil deveriam tê-los. Primeiro a criança carrega os materiais. Depois começa a construir estruturas simples e vai tornando-as mais complexas, adicionando elementos do dia a dia, como bonecos, animais e árvores, e dramatizando seu mundo interno.
Dramatização é uma brincadeira importante nessa idade, pois permite à criança vivenciar a realidade que não consegue compreender apenas por meio do pensar. “Os blocos permitem incrementar essa dramatização, dando vazão à criatividade e aos sentimentos, enquanto permitem fazer experimentos físicos. Ver o que para em pé, o que mantém o equilíbrio, a que altura uma torre ou pode ser construída, introduzindo-a na lógica concreta, fundamental para essa idade”, diz Ursula.
Além dos blocos, tocos tirados do jardim também fazem parte das brincadeiras da escola de educação infantil Cordão Dourado. De madeira, sem acabamento, os blocos são melhores para estimular a fantasia do que qualquer brinquedo de plástico. “A madeira estimula o tato, o sentido térmico, noção de peso e por serem empilháveis, estimulam o senso de equilíbrio. As crianças gostam muito, brincam não só empilhando e construindo, como também usam os blocos nas brincadeiras diversas, com fantasia e imaginação”, diz a diretora e a pedagoga Margarete Jaster Flores.
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