terça-feira, agosto 13, 2013

Brincadeira centenária

Antônio More/Gazeta do Povo / Angélica com os filhos Otto e João: blocos ajudam na imaginação e intuição
Eles não emitem som, não têm luzinhas piscantes ou alta tecnologia envolvida. Ainda assim os blocos de madeira comemoram 100 anos presentes em qualquer grande loja de brinquedos. E não devem sair das prateleiras tão cedo. Embora não seja possível datar quando a primeira criança usou pedaços de madeira para brincar, foi em 1913 que a educadora norte-americana Caroline Pratt criou um jogo de peças de madeira e passou a defendê-lo como importante ferramenta da educação infantil (leia mais ao lado).
Criatividade
A criança é que faz dos materiais um brinquedo
Fãs dos blocos de madeira, os filhos da terapeuta ocupacional e neurocientista Angélica Varejão têm o brinquedo em casa e na escola. Quando estão mais tranquilos, Otto, 5 anos, e João, 2, os aproveitam para diferentes encenações. “Até os 7 anos existe uma fase mais criativa e o brinquedo simples permite que crianças desenvolvam brincadeiras que partem da cabeça delas. Meus filhos têm brinquedos modernos, mas são os blocos que ajudam nessa fase da imaginação e da intuição.”
Eles estudam em uma escola da pedagogia Waldorf. Angélica elogia a filosofia desse modelo de ensino. “Há o momento em que a criança está mais retrospectiva, quando brinca com os bloquinhos, por exemplo, e o momento em que se solta, brincado de corda, subindo em árvore. Essa pedagogia tem respeito ao movimento natural.”
Poucos anos depois do aparecimento dos blocos de madeira, surgiu a pedagogia Waldorf. Idealizada pelo austríaco Rudolf Steiner, a pedagogia tem mais de mil escolas no mundo e além de valorizar o potencial dos blocos de madeira, faz uso de outros materiais orgânicos como pano, barbante ou argila.
Visionária
O legado de Caroline Pratt não se resume a pedaços de madeira
Tida como a criadora dos blocos de madeira, a educadora Caroline Pratt defendia o direito das crianças de frequentarem um jardim de infância, em uma época em que o comum era a criança pequena ser educada em casa. Também se posicionava contra o ensino repressor da época, chamando a atenção para a importância do estímulo do desenvolvimento infantil.
“Educação não é um fim em si, mas o primeiro passo para um avanço que deve continuar durante toda a vida. Em sua encenação, a criança não é mais apenas um espectador, é uma parte do mundo agitado dos adultos. Ao brincar, ele está praticando para tomar o seu lugar nesse mundo e recebendo a educação “, disse a educadora, em seu livro I Learn from Children, publicado em 1948 e com nova edição prevista para o ano que vem.
Aprendizagem
Os tijolos de madeira sempre apareceram como o “carro-chefe” da escola que ela fundou, a City and Country, que também se prepara para comemorar o centenário, em Nova York. Caroline defendia que os blocos eram os materiais mais adaptáveis ao aprendizado que se pode encontrar e que não se resumiam a objetos para brincadeiras livres, mas materiais que oportunizavam a aprendizagem das formas, tamanhos, escalas e estética.
“Os blocos podem permanecer apenas pedaços de madeira, a menos que sejam usados com as informações obtidas a partir das experiências do brincar. Então a forma geométrica que era simples pode tornar-se uma série de coisas para uma criança”, afirmou em seu livro. Caroline morreu aos 87 anos, em 1954, mas sua escola continua sendo procurada por educadores de todo o mundo para visitas e workshops.
A forma de encarar o desenvolvimento infantil e o ambiente escolar não são os mesmos do século passado, mas pesquisas vêm confirmando que Caroline estava certa: um bom brinquedo deve ser um incentivo e não um produto, e os blocos cumprem esse papel. Estudos da década de 1940 já demonstravam que os blocos ajudam as crianças a absorverem conceitos e a melhorarem as notas em matemática.
Em 2001 um estudo acompanhou 37 crianças da idade pré-escolar até o ensino médio e descobriu que aquelas que brincaram com blocos se saíram melhor no estudo da mesma disciplina. Mais recentemente pesquisas ampliaram os benefícios, comprovando que até para a aquisição da linguagem o uso desse material em sala de aula faz a diferença.
Para a psicopedagoga Ursu­la Marianne Simons, mestre em Psicologia Clínica e professora da Universidade Tuiuti, blocos de madeira ainda fazem parte da primeira infância e todas as escolas de educação infantil deveriam tê-los. Primeiro a criança carrega os materiais. Depois começa a construir estruturas simples e vai tornando-as mais complexas, adicionando elementos do dia a dia, como bonecos, animais e árvores, e dramatizando seu mundo interno.
Dramatização é uma brin­­­ca­­deira importante nessa idade, pois permite à criança vivenciar a realidade que não consegue compreender apenas por meio do pensar. “Os blocos permitem incrementar essa dramatização, dando vazão à criatividade e aos sentimentos, enquanto permitem fazer experimentos físicos. Ver o que para em pé, o que mantém o equilíbrio, a que altura uma torre ou pode ser construída, introduzindo-a na lógica concreta, fundamental para essa idade”, diz Ursula.
Além dos blocos, tocos tirados do jardim também fazem parte das brincadeiras da escola de educação infantil Cor­­­­dão Dourado. De madeira, sem acabamento, os blocos são melhores para estimular a fantasia do que qualquer brinquedo de plástico. “A madeira estimula o tato, o sentido térmico, noção de peso e por serem empilháveis, estimulam o senso de equilíbrio. As crianças gostam muito, brincam não só empilhando e construindo, como também usam os blocos nas brincadeiras diversas, com fantasia e imaginação”, diz a diretora e a pedagoga Margarete Jaster Flores.

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