Lei do aprendiz não é respeitada pela maioria
A partir dos 14 anos, o trabalho é permitido por lei, desde que respeite os limites de 30 horas semanais, com registro na carteira e frequência escolar comprovada. Mas a modalidade de aprendizagem está longe da realidade. De acordo com o relatório da Fundação Telefônica, 93% dos jovens brasileiros ocupados entre 14 e 15 anos não têm carteira assinada. Na faixa dos 16 e 17 anos são 69% sem registro formal.
A secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Isa Maria de Oliveira, reforça que, apesar de o Censo de 2010 apontar 2,4 milhões de jovens ocupados, apenas 432 mil estão registrados como aprendizes. Segundo Isa, um levantamento com os 13 milhões de famílias que recebem transferência de renda do governo federal mostrou que grande parte não cumpre a exigência básica de manter os filhos na escola.
A secretária acrescenta que, além de mudanças no marco regulatório, o ponto principal na erradicação do trabalho infantil é a mudança de mentalidade. “Muitos agentes públicos acham bom trabalhar na infância, porque eles trabalharam. Por isso surgiu essa ideia de erradicar as piores formas de trabalho infantil [aquele que expõe a riscos], mas o fim maior é eliminar todas as formas.”
Ranking
Na avaliação de Isa, o marco cultural e simbólico que mantém o trabalho infantil é mais forte no Sul do Brasil, até mesmo pela colonização europeia. “Segundo o Censo de 2010, essa região é a que tem maior porcentual de trabalho infantil: 15%.” Na pesquisa da Fundação Telefônica, Nordeste e Sudeste aparecem na frente, com 35% e 29% da mão de obra total do país até 17 anos. O Sul é o terceiro, com 16%, seguido de Norte (13%) e Centro-Oeste (6%).
Busca ativa
Para os especialistas, o problema do trabalho infantil apenas será combatido se houver participação do poder municipal. A busca ativa – uma estratégia governamental de “levar o Estado aos cidadãos” – precisa ser intersetorial, argumenta Isa Maria de Oliveira, mas coordenada pelas secretarias municipais de Assistência Social. “Não basta mais tirar a poeira de cima, cortar o mato alto. É necessário implementar medidas precisas, em cada localidade”, completa Françoise Trapenard.
2016 é a meta da Organização Internacional do Trabalho para a erradicação das piores formas de trabalho infantil – aquelas que causam prejuízos ao desenvolvimento. No ritmo que caminha desde 2010, o Brasil não deve atingir a meta.
Cerca de 20% dos 3,7 milhões de crianças e adolescentes que trabalham no Brasil não frequentam a escola. Entre os 80% que estudam, o trabalho afeta diretamente a frequência e o desempenho escolar. É o que afirma o estudo “Trabalho infantil e adolescente: impacto econômico e os desafios para a inserção de jovens no mercado de trabalho no Cone Sul”, encomendado pela Fundação Telefônica e apresentado ontem, durante o 4.º Encontro Internacional Contra o Trabalho Infantil, em São Paulo. Conforme a pesquisa, a evasão escolar pode chegar a 40%, no caso de jornadas de 36 horas semanais. Já a queda no rendimento, para a mesma carga de trabalho, varia de 10% a 15%, dependendo da série.
Alunos da 8.ª série do ensino fundamental que trabalham quatro horas por dia têm queda de cerca de 4% no desempenho em Português e Matemática, se comparados aos que não trabalham. Já na 4.ª série, quatro horas diárias de trabalho representam defasagem de 7% no desempenho escolar.
Círculo vicioso
Consultor responsável pelo estudo, o professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Botelho explica que, além de afetar de maneira significativa o desenvolvimento físico e mental dos jovens, o trabalho infantil cria um círculo vicioso, ao diminuir as chances de o indivíduo atingir um nível maior de escolaridade, que lhe proporcionaria melhores salários. “A escolaridade dos pais também está diretamente relacionada à questão. Quanto mais os pais estudaram, menor a chance de o filho trabalhar na infância. O trabalho infantil é um ciclo que se retroalimenta.”
Entre os atrativos da contratação da força de trabalho entre 5 e 17 anos está o baixo custo, já que a mão de obra infantil chega a custar, mensalmente, 42% menos que a adulta. “A grande maioria desse tipo de trabalho está na informalidade e, por isso, é difícil ser atingido pela fiscalização. Além de combater a informalidade, é preciso criar condições para que a família decida não inserir essa criança no mercado de trabalho, o que se faz, sobretudo, pela educação de qualidade”, ressalta Botelho.
Segundo o estudo, o investimento em políticas públicas nesse sentido, durante uma década, custaria US$ 29 milhões, mas traria um benefício de US$ 77 milhões no mesmo período. Isso porque, crianças melhores formadas, se tornariam adultos melhores remunerados, o que impactaria diretamente na economia do país.
Embora o levantamento não traga dados estaduais, a presidente da Fundação Telefônica, Françoise Trapenard, afirma que, no Paraná, a mazela do trabalho infantil é a agricultura familiar, sobretudo, de tabaco. “A mãozinha pequena é ideal para colher as folhas. Isso é abafado por toda uma cadeia produtiva, mas traz consequências terríveis, como a perda da impressão digital das crianças. É a perda da identidade.”
A jornalista viajou a convite da Fundação Telefônica.
http://www.gazetadopovo.com.br/educacao/conteudo.phtml?tl=1&id=1403155&tit=Fora-da-escola-para-trabalhar
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