quinta-feira, abril 10, 2014

Justiça Após mais de uma década de espera, pescadores seguem sem indenização
















Dois acidentes da Petrobras e a explosão do navio Vicuña renderam valores antecipados de até R$ 40 mil às famílias afetadas, mas boa parte ainda não viu a cor do dinheiro
 
Mais de uma década após três desastres ambientais de grandes proporções no Litoral do Paraná, 6 mil famílias de pescadores, catadores de caranguejo e marisqueiros ainda passam algum tipo de privação. Juntos, os dois vazamentos ligados à Petrobras (o de nafta do navio Norma e o de óleo do Poliduto Olapa, ambos em 2001) e a explosão do navio chileno Vicunã – que despejou milhares de litros de metanol, óleo diesel e óleo lubrificante na Baía de Paranaguá – deixaram essa população sem poder trabalhar por longos períodos e provocaram uma redução de 60% no volume de pescados que antes eram retirados das águas paranaenses.

E quem deveria trabalhar para amenizar a penúria de parte dos trabalhadores aproveita a situação em benefício próprio. Ao longo de um ano, a Gazeta do Povo conseguiu identificar 18 pescadores que desconheciam o andamento de ações indenizatórias em seu nome ligadas aos acidentes da Petrobras e também a concessão antecipada pela Justiça de parte dos montantes pedidos. Por meio de pesquisas no Fórum de Paranaguá e o acompanhamento desses pescadores até o banco, a reportagem constatou que valores entre R$ 7 mil e R$ 40 mil foram sacados pelo escritório da advogada que os representa, Cristiane Uliana, sem o conhecimento dos clientes.

Falta de transparência

A forma como os nomes de alguns pescadores constam nos sistemas de busca e controle de processos no Judiciário reforça a falta de transparência nas ações. Os sistemas trazem apenas as iniciais dos trabalhadores, como se os processos corressem em segredo de Justiça, embora sejam públicos.
João de Deus Cunha conta que por diversas vezes foi ao cartório e ao escritório de Cristiane em busca de informações sobre suas ações, mas obteve sempre a mesma resposta: não havia nenhuma execução provisória em nome dele. Cunha também pediu para amigos buscarem pelo seu processo no sistema da Assejepar, sistema on-line da Justiça, mas também não teve sucesso.

Registro

Ele e os amigos dificilmente encontrariam o que buscavam digitado o nome completo do pescador. No sistema é possível encontrar o processo de Cunha com as iniciais J.D.D.C. A informação é de que houve a liberação de uma indenização de R$ 7.746,88 em seu benefício. O extrato da conta judicial da Caixa Econômica Federal revela que o valor foi sacado no dia 21 de novembro de 2012 por quem tem procuração em nome do pescador.

Cunha também teve liberado pela Justiça o valor de R$ 30.600 no dia 26 de maio de 2010, em alvará assinado pelo juiz Hélio Arabori. Essa quantia foi sacada cinco dias depois, no dia 31, conforme extrato bancário a que a Gazeta do Povo teve acesso. Nenhum dos dois valores, porém, foi pago ao pescador. “Eu não sabia da existência destes processos. Já tinha ido várias vezes no escritório da minha advogada, mas sempre me enganavam dizendo que não havia nenhum processo no meu nome. Não consigo acreditar que me roubaram esse dinheiro”, diz. O pescador registrou boletim de ocorrência contra Cristiane, que o representa nos dois processos, por apropriação indébita.
Profissional foi denunciada à OAB
Um dos pescadores representados por Cristiane Uliana, Reginaldo Modesto Soares não só registrou boletim de ocorrência contra a advogada como também a denunciou à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Paranaguá.

Soares teve a execução antecipada de sua ação indenizatória contra a Petrobras, pelo acidente do navio Norma, sacada da Caixa Econômica Federal em outubro de 2012. Eram R$ 7.905,10. Antes de fazer o BO e a denúncia à OAB, Soares foi ao escritório de Cristiane e, com uma câmera escondida, perguntou se ele tinha algum valor a receber. A secretária do escritório disse que não havia nada.

A Gazeta do Povo teve acesso a um total de 30 processos registrados apenas com as iniciais dos clientes. A maioria das procurações assinadas pelos pescadores nestes processos têm apenas o nome da ilha ou do bairro onde moram. Mesmo assim, a reportagem encontrou 20 deles. Destes, 18 não sabiam da existência das ações, muito menos da concessão de parte das quantias pedidas. Ao todo, além de João de Deus Cunha, doze pescadores já prestaram queixa contra Cristiane por apropriação indébita e estelionato.

Procurada várias vezes, a advogada Cristiane Uliana não quis falar com a reportagem. Ainda no ano passado, quando procurado pela primeira vez, o presidente da OAB-PR, Juliano Breda, disse que a instituição é intransigente contra qualquer tipo de apropriação indébita e que iria investigar o caso. Procurado novamente neste ano, Breda preferiu não comentar o assunto.
Filhas de pescadores recorreram à prostituição
No Litoral, não é raro ouvir histórias de adolescentes que recorreram à prostituição para sustentar a família após os acidentes ambientais. Um pescador que pediu para não ser identificado desabafa à Gazeta do Povo que viu sua filha recorrer à prostituição para sustento da casa. “Na época da fome, minha filha mais moça não aguentou ver a mãe passando fome, sem ter dinheiro pra comprar arroz, sem ter peixe pra comer. Para trazer comida pra dentro de casa, ela se submetia a se deitar com caminhoneiros que vinham carregar no Porto de Paranaguá. Eu e a mãe dela sabíamos que ela se submetia a isso, mas não falávamos nada. Nem ela falava também. Tinha que ser assim”, diz.

 http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1460954&tit=Apos-mais-de-uma-decada-de-espera-pescadores-seguem-sem-indenizacao

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