domingo, outubro 20, 2013

O Brasil envelhece a olhos vistos

O Brasil está envelhecendo, e rápido. Com o aumento da expectativa de vida e a queda na taxa de fecundidade (número de filhos por mulher), em menos de 40 anos 30% da população será formada por idosos, segundo o IBGE. A projeção acende um sinal amarelo para o governo, que precisa implementar logo reformas nas áreas previdenciária e de saúde, e aumentar investimentos em políticas sociais voltadas à terceira idade. Sem isso, o brasileiro corre o risco de chegar à velhice sem condições de manter a qualidade de vida.
Vive melhor quem se preocupa com o futuro
Aposentado há 18 anos, o ex-funcionário públicoAntônio Ortiz (foto) lida bem com a velhice. Com 77 anos, Ortiz conta estar preocupado apenas com o momento presente. “O passado e o futuro são um hoje que eu já vivi e um hoje que eu ainda vou viver”, filosofa. Mesmo seguindo essa linha, Ortiz soube preparar muito bem seu futuro. Mora sozinho com a mulher numa casa própria, construiu ao longo dos anos um grupo de amigos e conseguiu encarar bem a aposentadoria, que ele diz que foi tão natural quanto começar a trabalhar.
Já a bancária aposentada Helga Riekes, de 82 anos, só se deu conta que a velhice já era uma realidade em sua vida há dois anos. “A gente não espera, quando vê, está lá. Eu percebi que a idade pesou aos 80, foi quando achei que era o momento de diminuir o ritmo”, diz.
"Todos nós seremos velhos, hoje ou amanhã"
Mirian goldenberg, antropóloga e autora de estudos sobre a terceira idade. Recentemente, publicou o livro "A bela velhice"
Quais as principais dificuldades que as pessoas encontram com o envelhecimento e o que há de positivo nesse momento?
O pior é vencer os preconceitos e as representações antiquadas sobre o envelhecimento. Os novos velhos são ativos, produtivos, cheios de energia e de projetos, mas a sociedade continua alimentando estereótipos sobre os velhos. Tenho pesquisado homens e mulheres de mais de 60 anos que dizem que é o momento mais feliz de suas vidas, em que podem ser eles mesmos, com mais liberdade, amizade e prazeres.
As mulheres falam que é uma verdadeira libertação cuidar mais de si e focar mais nas próprias vontades. Os homens resgatam o convívio com a família e descobrem novos projetos de vida.
É um momento em que pode-se reinventar e valorizar muito mais os próprios desejos.
Estamos preparados para envelhecer e lidar com todas as mudanças desse momento?
Com certeza não.Temos muito medo de envelhecer e negamos o envelhecimento. Velho é sempre o outro. No entanto, todos nós seremos velhos, hoje ou amanhã. Precisamos pensar na velhice como uma fase da vida que pode ser plena de projetos e de significados e não negar e ter medo do envelhecimento.
Como é para a família lidar com o envelhecimento de seus parentes? Há como se preparar para esse momento?
Esta é uma questão delicada. Não podemos apostar que seremos cuidados pelos familiares. Não é o que acontece, em muitos casos. Devemos poupar, desde cedo, para termos condições financeiras adequadas para a velhice e alimentar as amizades que são fundamentais para uma bela velhice.
No livro “A bela velhice” a senhora trata sobre como envelhecer bem. Em linhas gerais, quais as dicas para conquistar isso? E a partir de quando devemos ficar atentos a essa questão?
O mais cedo possível. Devemos cultivar as amizades, o bom humor e principalmente os projetos de vida. Focar nas nossas vontades. Priorizar o tempo e hierarquizar o que é realmente importante. E fazer da nossa vida algo que tenha significado, em todas as fases da existência.
Só em 2015
Reforma previdenciária deve ficar para a próxima gestão
A necessária reforma da previdência dificilmente sairá antes de 2015. A caminho do último ano de governo e com foco na reeleição, é pouco provável que a presidente Dilma Rousseff faça qualquer tipo de mudança no sistema em 2014. Quando ela assumiu o governo, a expectativa era que caminhasse no Congresso alguma proposta para substituir o fator previdenciário – cálculo criado no governo de Fernando Henrique Cardoso para inibir as aposentadorias precoces.
Alternativa mais aceita pela equipe econômica do governo, a fórmula 85/95 prevê que o trabalhador tenha acesso à aposentadoria integral se a soma da idade mais o tempo de contribuição chegar a 85, no caso das mulheres, e a 95, no caso dos homens. Existe um impasse sobre o que fazer para o caso do beneficiário pedir a aposentadoria antes ou depois de conseguir atingir esse soma. Os economistas também avaliam se os valores 85 e 95 não estão defasados para os padrões etários brasileiros.
Segundo o senador Paulo Paim (PT-RS), a promessa do governo é apresentar até o fim de novembro uma alternativa ao fim do fator. “Isso [acabar com o fator] é um compromisso do governo Lula e da presidente Dilma. Estou na torcida para que realmente aconteça”, afirma. Mas é pouco provável que algo saia antes de 2015. A avaliação do governo é que o tema é muito delicado para ser tratado em período eleitoral.
Indexador
Uma das principais brigas dos aposentados atualmente é conseguir o mesmo reajuste que tem sido concedido ao salário mínimo aos benefícios superiores ao piso. A política do governo é reajustar as aposentadorias apenas considerando a inflação do período, medida pelo INPC, sem haver qualquer tipo de aumento real. O economista Renato Follador, especialista em previdência, explica que não se pode dar aumento real para quem está fora do mercado, mas também considera que o índice usado pelo governo para reajustar as aposentadorias é injusto. Na avaliação do economista, o INPC não reflete a inflação para a terceira idade e um indexador diferente deveria ser usado.
Estudo das Nações Unidas divulgado no início do mês revela que o Brasil ocupa a 31.ª posição entre os países que apresentam as melhores condições de vida para os idosos. Muito disso se deve à segurança de renda garantida, em grande parte, pela Previdência Social. Segundo o levantamento realizado em 91 países, quase a totalidade das pessoas com mais de 60 anos no Brasil recebe algum tipo de pensão ou aposentadoria. Mas o ponto de destaque do país no estudo é, na verdade, uma bomba-relógio.
Se nenhuma mudança for promovida, a previsão é que os sistema gere um déficit de R$ 236,4 bilhões em 2036 – o equivalente a 1,17% do Produto Interno Bruto (PIB) projetado. No ano passado, em um cenário de pleno emprego e com 60% da população em idade ativa, a previdência já fechou as contas no vermelho: prejuízo de R$ 42,3 bilhões – 0,89% do PIB. Em 2050, quando teremos um idoso para cada 1,9 brasileiro em idade ativa, a previsão é de um quadro catastrófico, de aposentadorias cada vez mais baixas e déficit insustentável.
Apesar da necessidade de reforma urgente no sistema, nenhuma mudança trará vantagens ao trabalhador. “Não existe reforma de previdência para melhorar os benefícios. Ou são para aumentar a contribuição ou para diminuir o valor ou o tempo do benefício”, comenta o economista Renato Follador, especialista em previdência.
Ele destaca que a tendência é que haja um achatamento das aposentadorias pagas pela previdência pública ao longo dos anos. De acordo com Follador, continuando como está, o teto do INSS será de três salários mínimos em 2038. “E esse fenômeno é no mundo todo”, observa.
Para garantir uma renda maior na velhice, a alternativa é investir em planos de previdência privada, que lhe garantam, pelo menos, um dinheiro extra para o pagamento do plano de saúde e compra de medicamentos, duas despesas que acabam pesando no bolso depois dos 60.
Jovens devem se preparar para a velhice
Quem vai cuidar de você na velhice? O melhor é que sua resposta seja: eu mesmo. É isso o que recomendam os especialistas em terceira idade. As pessoas devem se preparar ainda na juventude – do ponto de vista financeiro, principalmente – para não precisar contar com os cuidados da família quando estiverem idosos.
“As famílias hoje são diferentes. Temos poucos filhos, muitas vezes eles vão morar fora, as casas também estão menores. Acaba que o final da vida do idoso é só. Então, ou o Estado entra para proteger essa pessoa ou ela vai usar a sua poupança para contratar cuidadores. Não dá para contar com a família”, diz Renato Veras, diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Veras observa que essa situação ocorre no mundo inteiro. Ele relata um caso recente em Portugal no momento em que o país passa por uma crise financeira. “Muitas famílias abandonaram seus idosos para tentar a vida em outros países e esses idosos acabaram morrendo por falta de cuidados”, conta.
Atendimento médico
Governo vai precisar investir mais recursos em saúde
Gastos com remédios e assistência hospitalar também pesam nas contas públicas à medida em que a população vai envelhecendo. No quesito condições de saúde, o Brasil recebeu 56,8 pontos – numa escala de zero a 100 – no levantamento das Nações Unidas que mediu as condições de vida dos idosos. “Existe a transição demográfica e também a epidemiológica, com a diminuição dos quadros infectocontagiosos e o aumento das doenças crônicas e degenerativas, pouco letais, mas incapacitantes”, diz o geriatra Rubens de Fraga Júnior, membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
Ele explica que esses males dependem de mais recursos do governo. “São doenças que demandam um tratamento multidisciplinar, locais adequados para o atendimento dessas pessoas e a capacitação de cuidadores”, comenta.
No Brasil, as patologias crônicas são responsáveis por 74% das mortes. Antes de a pessoa morrer, porém, ela pode passar anos convivendo com a doença e com uma qualidade de vida baixa. Segundo Fraga Júnior, com o envelhecimento, é quase certo que a pessoa desenvolva alguma doença crônica. O ponto, de acordo com ele, é retardar essa situação ao máximo para dar “vida aos anos e não apenas anos à vida”.

http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1418290&tit=O-Brasil-envelhece-a-olhos-vistos

Nenhum comentário:

Postar um comentário