segunda-feira, maio 30, 2011

Vereadores usam mandato para beneficiar ruas onde moram.

Dos 38 vereadores que atualmente exercem o mandato em Curitiba, 30 (78%) já apresentaram requerimentos para que a prefeitura da cidade realize melhorias nas ruas em que eles mo­­ram. Os pedidos são dos mais variados tipos e vão desde melhoramentos na iluminação pública até o asfaltamento da via e são atendidos pela prefeitura. Os vereadores ga­­rantem que não estão le­­gislando em causa própria, em­­bora cien­­tistas políticos afirmem o contrário.

Pavimentação - Foram feitos 47 pedidos de revitalização de ruas e pavimentação asfáltica
Políticos dizem que vizinhos fazem pressão

Os vereadores de Curitiba que pe­­diram benefícios para as suas ruas alegam que as solicitações são feitas para beneficiar toda a comunidade e que os próprios vizinhos fa­­­­zem pressão para que as obras sejam reivindicadas. “Eu sou co­­brado por amigos, por vizinhos. Os requerimentos que faço são a pedido da própria população”, afirma o vereador Celso Torquato (PSDB).

Obras em frente de casa

Alguns casos de requerimentos dos vereadores de Curitiba, pe­­dindo melhorias para a rua em que moram, chamam a atenção pelo uso do número da própria residência do parlamentar como referência para as obras. Um exem­­plo é o caso do vereador Sa­­bino Picollo (DEM) que, em pelo menos seis requerimentos, citou o número do edifício no qual mora, no bairro Champagnat, para pedir operação tapa-buracos, reparos no asfalto, mudança de horário de coleta de lixo e a colocação de uma placa proibindo o estacionamento em um dos lados da rua marginal que dá acesso ao condomínio.

Produção

Em 2010, cada parlamentar fez, em média, 400 requerimentos

Os requerimentos de obras e melhorias são parte importante da produção legislativa dos vereadores. No ano passado, de acordo com registro mantido pela própria prefeitura de Curitiba, foram feitos 15 mil pedidos pelos parlamentares muncipais. Isso significa uma média de quase 400 solicitações para cada um dos 38 vereadores. Ou seja: são 41 requerimentos protocolados a cada dia na Câmara.

O número é 38 vezes maior do que a quantidade de projetos apresentada pelos vereadores no mesmo período. O site da Câmara Municipal mostra que entre 1º de janeiro de 2010 e 31 de dezembro, foram protocolados 437 propostas de lei para a cidade. Dessas, no entanto, 55 foram de iniciativa da própria prefeitura. Portanto, apenas 382 foram levados à Câmara por vereadores. A média, nesse caso, é de dez projetos por parlamentar.

A maior parte dos projetos é considerada de baixa relevância. Em 2010, por exemplo, dos 382 projetos, a maioria foi para dar nomes a ruas e praças. Foram 113 iniciativas dessa natureza. Em segundo lugar, aparecem os pedidos para que instituições da cidade sejam declaradas de utilidade pública, com 80 proposições.

Além dessas, também foram registradas em 2010 outras 32 propostas que indicavam pessoas a prêmios internos concedidos pela Câmara, 28 projetos que indicavam pessoas para receber cidadania honorária de Curitiba e três propostas que tinham a intenção de conceder o título de “vulto emérito” a cidadãos curitibanos. (RWG)


A lista dos requerimentos feitos pelos vereadores está disponível no site da Câ­­mara Municipal. A re­­portagem conseguiu os endereços residenciais de todos os parlamentares da cidade e fez o cruzamento. O resultado foi que apenas oito nunca fizeram ne­­nhum pedido para a rua em que residem atualmente. O le­­vanta­men­to não in­­clui en­­­­dereços an­­­­teriores nem imóveis co­­merciais.

Os requerimentos formais dos vereadores são encaminhados à prefeitura. E embora não haja qualquer obrigação legal para que as obras so­­li­citadas sejam feitas, os próprios ve­­readores afirmam que o Exe­cutivo costuma atender às reivindicações. Em defesa de sua atua­­ção, os par­­la­­­men­ta­­res argumentam que estão beneficiando toda a população da rua.

Além dos pedidos formais, po­­rém, os vereadores também fa­­zem pedidos que não ficam registrados no sistema da Câ­­mara. De acordo com o vereador Aldemir Manfron (PP), que atende os bairros em torno de Santa Felicidade, a maior parte dos pedidos que ele faz é encaminhado diretamente às administrações regionais. “O prefeito dá liberdade para isso”, diz.

Valorização

Embora digam que não façam os pedidos para obter benefício próprio, os vereadores saem ganhando com a realização de obras em sua região. Segundo especialistas em imóveis, não há dúvida de que as casas ficam valorizadas após as melhorias. “Quem não gosta de uma rua com asfalto bom, meio-fio, mato cortado, árvores bem plantadas, com todos os melhoramentos? Tudo isso são argumentos importantes de venda”, afirma Luiz Fernando Gottschild, presidente do Insti­tuto Paranaense de Pesquisa e Desenvolvimento do Mercado Imobiliário e Condominial (Inpespar), órgão ligado ao Sin­dicato da Habitação e Condo­mínios do Paraná (Secovi-PR).

Para o cientista político Adria­no Codato, da Universidade Fe­­deral do Paraná (UFPR), os ve­­rea­­dores estão claramente usando o mandato em causa própria quando fazem esse tipo de requerimento para a rua em que moram. “Eles contam com a desinformação e o desinteresse das pessoas. E o que é impressionante é que eles acham que não tem problema, que ninguém vai ficar sabendo, que isso é assim mesmo”, diz. “A classe política brasileira perdeu completamente a aderência aos padrões de respeitabilidade pública”, complementa.

Para Codato, o comportamento dos vereadores tem relação com a falta de atribuições do Legislativo municipal. “As casas legislativas acabam tendo poucas atribuições, já que o Executivo manda em quase tudo. Enquanto não fizerem a sua função, que é a de cobrar o Executivo, os vereadores vão ficar sem atribuições. E vão acabar sendo representantes de si mesmos, como mostra essa situação”, afirma.

Mestre em Ciência Política pela UFPR, Augusto Clemente afirma que o problema não está propriamente no fato de os verea­dores apresentarem os pedidos, mas sim na possibilidade de que a influência política deles leve o Executivo a moldar suas políticas públicas em razão de seu relacionamento com os parlamentares. “O que não pode é que eles sejam privilegiados em relação a outros grupos.”

Colaborou Mariana Scoz, especial para a Gazeta do Povo 30/05/2011

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