segunda-feira, novembro 25, 2013

Décimos a menos e pontos a mais

A Vila Jardim Acrópole – em Curitiba – podia ser reduzida a um ponto no mapa do Cajuru, bairro de 100 mil habitantes que é uma verdadeira cidade. Mas não. O Acrópole, como é chamado, destaca-se por condensar alguns dos índices de pobreza mais gritantes da capital. Deve-se prestar atenção. Sua miséria é disfarçada, nas beiras da linha do trem e dos rios, “um pouco mais para baixo” das boas casas de alvenaria e gradil alto que parecem dominar a paisagem da região. INFOGRÁFICO: confira o desempenho nas zonas de risco de Curitiba De acordo com levantamento feito pela Cohab em 2010, 1.239 famílias vivem na parte de ocupação irregular da vila. Pouco mais de 35% desses moradores são jovens e jovens adultos que sustentam outros 40%, formado por crianças e adolescentes. Não têm recursos para tanto. Ali, quem ganha dois salários mínimos pode ser considerado “rico” – 60% dos acropolenses faturam bem menos, vivem na informalidade e engrossam o exército dos carrinheiros da cidade, não raro guardando o lixo em casa. Faltam homens. Ao todo, 30% dos lares são sustentados por mulheres, sendo sete delas “mães menininhas”, com menos de 18 anos. Há por lá 102 deficientes; 37% de lares são iluminados na base do “gato” e os índices educacionais beiram os subsaarianos. O número dos que não sabem ler e escrever chega a 8%, fazendo soar o alerta em meio a tantos alaridos sobre a erradicação do analfabetismo. Ainda assim, o Acrópole tem um número capaz de fazer reverter todos os outros. As duas escolas municipais que atendem a área – a Ayrton Senna e a Maria de Lourdes Lamas Pegoraro – saem-se bem na Prova Brasil, avaliação que ajuda a formar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb. A média de Curitiba é 5,8. No Ayrton e no Pegoraro as notas oscilam entre 5,2 e 5,6. Pouco? Os rankings as apontariam como perdedoras. Os analistas, como vitoriosas. O troco No início deste ano, os pesquisadores Waldirene Sawozuk Bellardo e Douglas Danilo Dittrich – da Secretaria Municipal de Educação (SME) – resolveram “desmontar” a lógica autoritária que rege o Ideb. Sabiam que muitos colégios implantaram “intensivões” para enfrentar a Prova Brasil, como se fosse uma corrida de cavalos. “É uma esquizofrenia. A educação é arte complexa. O Ideb mede o que o aluno responde no momento. Não avalia a escola”, protesta Waldirene. O método empregado na operação foi simples: os técnicos cruzaram as notas das 184 escolas da rede municipal com a porcentagem de alunos beneficiados pelo Bolsa Família. Previam a que conclusões iriam chegar: notas mais baixas em regiões assistidas pelo governo; notas mais altas em regiões menos necessitadas. Era a regra. Mas lhes interessavam as exceções. Para alegria, elas não só existem como servem de norte para mudanças nas práticas de ensino básico daqui em diante. A secretaria é reticente em soltar fogos em torno das quatro escolas que tiveram notas acima do esperado, apesar de terem 40% e 70% da clientela atendida pelo Bolsa Família. Vai investigar. Diz temer repetir aquilo que se está combatendo – os estigmas de a melhor e a pior, a mais rica ou a mais pobre. Mas os gestores não escondem que o resultado da pesquisa está prestes a causar uma reviravolta nos bastidores educacionais. Daqui pra frente Em 2014, a SME vai fazer de escolas como a Ayrton Senna e Maria Pegoraro – entre outras que um pente fino nas estatísticas venha a apontar – uma espécie de observatório de práticas educativas em regiões vulneráveis. Quer detalhar o que as faz ter desempenho positivo, de modo a estender esses ganhos às demais instituições plantadas na periferia ou fadadas à estagnação. Os pesquisadores irão a campo com algumas hipóteses. Escolas que vencem as imposições da pobreza, suspeitam, são as que têm corpo de professores estável, relações com a comunidade, proximidade com as famílias e gestão equilibrada. Levarão a campo medidas provisórias – como programas de permanência dos professores em zonas de risco. Dar de 10% a 30% a mais no salário, já sabem, não basta. Mas a expectativa, outra vez, é se deixar surpreender pelas práticas das escolas de exceção. Sabe-se que não há receitas, salvo uma delas, alçada à categoria de regra universal: nos endereços em que os pais valorizam o ensino, os filhos têm desempenho educacional melhor. Nesse quesito, a vantagem acaba sendo dos colégios bem situados. Aos mais empobrecidos, resta trazer os pais de volta para a sala de aula. É a melhor das medidas. Um piloto da operação está em andamento: pequenos grupos de adultos, com filhos em idade escolar, participam de um programa batizado de “Cereja”, recém-criado. Ainda não há dados públicos. Se levado a cabo de fato, será o melhor quitute da temporada. “Sem nossa reação, os mais vulneráveis podem estar condenados a permanecer onde estão. Escola é expansão da cidadania”, comenta Douglas Dittrich. Em Curitiba há perto de 30 mil analfabetos. Em tempo. A ação da secretaria não vai se limitar às escolas das “faixas de Gaza” da capital. Os educadores devem se debruçar sobre um outro dado que estava despistado nas tabelas: quatro escolas com baixíssimo índice de Bolsa Família, situadas em bairros de classe média, têm uma nota medíocre no Ideb. “Nossa suspeita é de que o ensino não faz nenhuma diferença na vida dessas crianças”, pondera Waldirene, apontando mais uma vez os riscos trazidos pela simplificação dos rankings. Podem ser falso brilhante. Os aplausos dados às escolas municipais Doutor Pedrosa, no Portão, e São Luiz, na Água Verde, que tiram acima de 7,0 no Ideb, não resumem a glória educacional de Curitiba, como se quer acreditar. Deve-se somar na lista as duas escolas do Acrópole. E desconfiar dos dados. Eis o princípio. Além dos muros da escola Para saber por que a Escola Municipal Maria de Lourdes Pegoraro é diferente, os pesquisadores da prefeitura vão ter de trabalhar domingo. Não é raro, no dia de folga, encontrar a diretora Ana Paula Vilella, 35 anos, circulando pela Vila Acrópole, como se fosse uma moradora. Ana vive em São José dos Pinhais, mas por força do ofício passa a maior parte do tempo no bairro onde atua como educadora. Conhece as ruas. Vai ao mercado (onde encontra os pais dos alunos), à zona favelizada, bate palmas na porta das casas para saber de faltas e demais expedientes escolares. As táticas de Ana são seguidas, em alguma medida, pelo grupo gestor do colégio, que tem 67 profissionais de ensino e 750 alunos, 30 notificados como vulneráveis e vindo de famílias de rendimentos modestos. Nem a diretora, nem Luciane Bugay, Leoni Nantes ou Fabiana Mendes – outras três professoras que falaram com a reportagem – afirmam que esse seja o segredo do “Maria de Lourdes”. Mas reconhecem terem entendido que para educar bem, precisavam agir para além dos muros da escola. A linha do trem não lhes é estranha. Costumam atravessá-la, em visitas à clientela. A recíproca é verdadeira. Se as professoras vão à vila, a vila também vem à escola. O colégio fica aberto das 8 da manhã às 10 da noite, e oferece o programa Comunidade Escola aos sábados e domingos. A lista de atividades é vertiginosa. O vínculo está garantido. “Tudo muda quando um professor sabe como seu aluno vive”, diz Ana Paula. A andanças tantas, o grupo chegou a fazer um périplo, perguntando nas ruas quem sabia ler e escrever. Muitos eram pais. Outros tantos se integraram às duas turmas noturnas de jovens e adultos, frequentadas por 33 pessoas, num claro exemplo de agenda positiva. “Nosso termômetro? Muitas pais nos telefonam. Falam com a gente na maior liberdade. É um bom sinal”, diz uma das pedagogas. As diretoras Wilsa Bueno, 39, e Greyce Serena, 44, à frente da Escola Municipal Ayrton Senna (também na Vila Acrópole) gozam de condições menos favoráveis do que as vizinhas do “Maria de Lourdes”. A parcela de 597 alunos é ainda mais pobre, na maioria filhos de coletores de papel. A rotatividade de professores, em especial no turno da tarde, é alta e exige trabalho dobrado da dupla, que faz das tripas coração. “Lembramos sempre do mérito que é trabalhar aqui. E do quanto é gratificante”, comentam. O curioso é que, mesmo em situações adversas, o “Ayrton Senna” tenha o astral e a aparência de uma escola de elite. A tolerância com a pichação é zero. Os pais são atendidos com todas as honras – mesmo que cheguem até ali em farrapos, o que não é difícil acontecer –; e os problemas são resolvidos de pronto. A escola serve café da manhã. E tem chuveiro. Sim – Wilsa e Greyce se alistam entre as que acham que fome e falta de cuidados básicos afetam a aprendizagem. http://http://www.cidadedoconhecimento.org.br/cidadedoconhecimento/index.phpsubcan=7&cod_not=40920&PHPSESSID=456f8e8fa633a856532e335577a7b17a"

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