sexta-feira, abril 26, 2013

Doação de bens, mas com garantias



A aposentada Maria Cristina, 66 anos, vive um drama familiar. Há dez anos, ela decidiu repassar aos filhos a propriedade do único bem da família – um terreno localizado no bairro Hauer, em Curitiba – mesmo morando em uma pequena casa construída no local. Apesar disso, um dos filhos e o ex-marido dela passaram a pressioná-la a deixar o imóvel. “Eu só quero um cantinho onde eu possa viver em paz”, diz.
Apesar da pressão dos familiares, Maria Cristina tem um trunfo a seu favor: a doação do terreno foi feita com reserva de usufruto vitalício. Ou seja, ela tem garantido o direito de permanecer no imóvel até o fim da vida. Tudo ali, preto no branco, assegurado por lei.
“O usufruto é um mecanismo muito usado, por exemplo, por pais que, ainda em vida, querem repassar seus bens aos filhos, sem deixar de usá-los e fruí-los”, explica o advogado e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rodrigo Xavier Leonardo, pós-doutor na área.
Para evitar dores de cabeça, a Gazeta do Povo preparou um passo a passo de como formalizar a doação de bens com reserva de usufruto, com base em orientações de Xavier Leonardo e do advogado e professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) José Ribeiro. Acompanhe abaixo as principais dicas e dúvidas sobre o assunto:
1 - O QUE É
A doação com reserva de usufruto é o meio pelo qual o proprietário pode transmitir para outra pessoa a propriedade de um bem. Mas o proprietário tem o direito de continuar a usar este bem, administrá-lo e gozar de seus “frutos”.
No caso de um pai que vai repassar os bens a parentes, é preciso respeitar a herança legítima. Os herdeiros prejudicados no processo podem recorrer ao Judiciário para contestar o ato.
2 - PARTES
Com a formalização da doação com reserva de usufruto, consolidam-se duas partes. O “usufrutuário” é quem repassou o bem, mas que permanece a usá-lo, administrá-lo e fruí-lo. Já o “nu-proprietário” é quem recebe o bem, mas, automaticamente, cede a administração deste ao usufrutuário.
3 - TIPO E PERÍODO
O usufruto pode recair tanto em bens móveis, como ações, investimentos e automóveis, quanto imóveis, como casas, terrenos e fazendas. Além disso, o usufruto pode ser vitalício (estendido por toda a vida do usufrutuário), a termo (com reserva de data), ou com condição resolutiva (até que se cumpra uma especificação) – o usufrutuário pode permanecer no imóvel até que conclua determinado curso, por exemplo.
4 - PARA O USUFRUTUÁRIO
Aquele que permanece no imóvel como usufrutuário passa a ter direito de uso, de administração e de recebimento de todos os frutos que possam advir do bem. Se o usufrutuário, por exemplo, alugar a casa cedida, o dinheiro fica para si. No caso de uma fazenda, ele pode explorar a produção agrícola.
Por outro lado, deve providenciar o inventário do bem, documentando o estado exato em que este se encontra. O procedimento é semelhante a um laudo de vistoria para a locação de um imóvel. O usufrutuário tem ainda o dever de cuidar adequadamente do bem, providenciando eventuais reparos.
5 - PARA O NU-PROPRIETÁRIO
O nu-proprietário tem garantido o direito de que o objeto ou imóvel seja bem cuidado e administrado pelo usufrutuário. Caso o bem não esteja sendo zelado adequadamente, o nu-proprietário pode pedir anulação do usufruto.
Em casos de danos causados por eventos alheios à vontade do usufrutuário, cabe ao nu-proprietário executar os reparos. Por exemplo, no caso de um imóvel danificado por um vendaval.
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Formalização é feita em cartório
A doação de um bem com reserva de usufruto é formalizada em um tabelionato de notas, por meio de escritura pública. Assim que o documento estiver pronto, precisa ser registrado na matrícula dos imóveis em questão, em um cartório de registro de imóveis. Como envolve a emissão de uma série de certidões, o processo demora mais de 30 dias para ser concluído.
A segurança oferecida pelo mecanismo, no entanto, tem preço um pouco salgado. Para um imóvel avaliado em R$ 200 mil, por exemplo, as taxas para consolidar a doação e a reserva de usufruto somam cerca de R$ 6 mil.
30 DIAS é o tempo médio para formalizar a doação de um bem com reserva de usufruto.
Embate familiar no mesmo chão
Apesar de, como usufrutuária do terreno cedido aos filhos, Maria Cristina ter garantias legais de uso do imóvel, a aposentada enfrenta uma série de dissabores. À sua revelia, um dos filhos construiu uma oficina mecânica nos fundos do terreno. Ele e o pai tentam convencer Maria Cristina a deixar a casa em que vive.
Mas os especialistas revelam que a aposentada não deve abandonar o imóvel. “O usufrutuário não pode ser coagido pelo nu-proprietário (aquele que recebe o bem). Em casos extremos, em que há ameaça da posse, o usufrutuário pode recorrer ao Poder Judiciário contra o nu-proprietário”, explica o advogado Rodrigo Xavier.
Foi o que fez Maria Cristina. Nesta semana, ela procurou o Ministério Público, que vai apurar as denúncias. A tendência é que o órgão entre com um pedido de reintegração de posse na Justiça.
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TIRA-DÚVIDAS
Acompanhe algumas das perguntas mais recorrentes quanto ao usufruto:
A doação da propriedade com reserva de usufruto pode ser feita apenas entre familiares?
Não. O bem pode ser repassado a qualquer pessoa.
O nu-proprietário pode vender o bem?
Pode. Mas o usufruto também tem efeito perante terceiros. Ou seja, a pessoa que comprar o bem terá de respeitar o usufruto. O usufrutuário permanece fruindo o bem normalmente.
O que acontece em caso de falecimento do nu-proprietário?
Os herdeiros do nu-proprietário assumem o bem, e devem respeitar o usufruto.
Uma vez formalizado, o usufruto pode ser revertido?
Sim. Basta o usufrutuário renunciar por meio de uma escritura pública. Ele também pode vender o bem, juntamente com o nu-proprietário.
É melhor fazer um testamento ou uma doação com reserva de usufruto?
São maneiras diferentes de se fazer a transmissão de bens a terceiros. O testamento envolve todos os bens da pessoa que os repassa e só vai ter validade a partir do falecimento desta. Na doação com reserva de usufruto, os bens indicados pelo “doador” são repassados ainda em vida, embora este continue a frui-los. Ambas as formas de transmissão de bens tendem a ter um bom resultado, desde que não violem os direitos dos herdeiros.
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http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1366850&tit=Doacao-de-bens-mas-com-garantias

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