Um ano depois da assinatura do primeiro contrato de concessão do transporte coletivo de Curitiba, os usuários do sistema ainda não sabem se as 11 empresas vencedoras da licitação estão cumprindo as metas de cinco itens de controle de qualidade estabelecidos no edital: cumprimento de viagens no horário programado; satisfação do usuário com a qualidade dos veículos e conduta dos operadores; interrupção de viagens por falha nos veículos; liberação de vistoria; e autuações.
Esses índices foram usados como parâmetros para definir as metas referentes ao primeiro ano de operação das empresas vencedoras da licitação e para os anos seguintes. Para o caso de descumprimento de cada um dos cinco itens do controle de qualidade a cada mês, o edital prevê o desconto de 0,6% do pagamento previsto à empresa.
Cronologia
Cercada de polêmicas, a novela licitação do transporte coletivo em Curitiba foi uma trama dividida em diversos capítulos ao longo de 57 anos. Confira os principais fatos:
1955 – O município estabelece contratos de concessão com 13 empresas.
1988 – A Constituição Federal exige processo de licitação para todas as concessões de serviços públicos.
2001 – O Ministério Público entra na Justiça para exigir a licitação do transporte coletivo.
2005 – Decisão judicial obriga a prefeitura a abrir licitação, a ser concluída em 18 meses. A prefeitura recorre.
Ago 2006 – O projeto de lei que cria os dispositivos legais para o processo de licitação é entregue pelo prefeito Beto Richa à Câmara Municipal.
Dez 2007 – Os vereadores aprovam um substitutivo geral para a nova Lei do Transporte Coletivo. Eles foram criticados porque aprovaram uma lei genérica abrindo espaço para todos os detalhes serem determinados pelo edital de licitação.
Jan 2008 – Richa sanciona a lei aprovada na Câmara Municipal com oito vetos.
Mar 2008 – Os vereadores derrubam dois vetos do prefeito e mantêm os outros seis. Em seguida, é publicada a nova lei que dispõe sobre a organização do transporte coletivo.
Ago 2008 – O Tribunal de Justiça confirma a decisão que exige a abertura da licitação.
Dez 2008 – É assinado o Decreto 1.356, que regulamenta a nova Lei Geral do Transporte Coletivo.
Abr 2009 – A Urbs promove a audiência pública que antecede a elaboração do edital de licitação.
29 dez 2009 – Edital é publicado e marca a entrega de propostas e abertura dos envelopes para 25 de fevereiro de 2010.
9 ago 2010 – Licitação é homologada. Como não havia concorrência, os consórcios Pontual, Transbus e Pioneiro (que reúnem 11 empresas) são habilitados para operar por 15 anos, renováveis por mais 10, o transporte coletivo da capital.
1º set 2010 – Contrato de concessão é assinado pela Urbs e por consórcios.
9 nov 2010 – Empresas vencedoras começam a operar de acordo com as obrigações previstas na licitação.
Motoristas e cobradores
Protesto pede fim de multas
Vitor Geron
Motoristas e cobradores participaram ontem de uma manifestação para pedir a suspensão das multas aplicadas contra os funcionários do sistema de transporte coletivo de Curitiba. Segundo o Sindicato dos Motoristas e Cobradores nas Empresas de Transporte de Passageiros (Sindimoc), a passeata até o Centro Cívico reuniu cerca de 2 mil pessoas.
O presidente do Sindimoc, Anderson Teixeira, conta que o documento entregue ontem ao presidente da Urbanização de Curitiba (Urbs), Marcos Isfer, faz referência apenas às multas aplicadas contra motoristas e cobradores. “Pedimos uma mudança na lei para que não sejam mais aplicadas multas contra os trabalhadores”, diz Teixeira. O presidente do Sindimoc argumenta que até 2008 não havia multa e o transporte fluía sem problemas. De janeiro até agosto de 2011 teriam sido aplicadas 5 mil multas contra motoristas e cobradores.
Espera
O documento sugere que sejam adotadas outras medidas administrativas como advertência e orientação aos trabalhadores. O Sindimoc vai aguardar por 15 dias uma resposta do prefeito de Curitiba, Luciano Ducci (PSB). “Se houver descaso, vamos convocar uma assembleia para definir outras medidas que poderão ser tomadas”, conta Teixeira.
Cada um dos indicadores foi calculado com base nos dados de desempenho de qualidade das empresas ao longo dos primeiros nove meses de 2009. No caso do índice de interrupções de viagem, por exemplo, para chegar ao indicador de 26,75% foi necessário estabelecer uma média mensal de falhas de acordo com o tamanho da frota. Neste item, a meta do primeiro ano é 24% e uma redução de 10% nos anos seguintes.
A Urbanização de Curitiba S/A (Urbs), responsável por verificar mensalmente o cumprimento das metas, ainda não divulgou qualquer resultado, mesmo que parcial. De acordo com o diretor-presidente do órgão, Marcos Isfer, as metas são anuais e o primeiro ano de operação ainda não foi fechado, o que só acontece em novembro. “Estamos acompanhando permanentemente os indicadores. O ano ainda não foi fechado. Eu acredito que devemos atingir as metas, em novembro eu poderei dizer com certeza”, conta. Sobre a divulgação dos dados, Isfer promete que quando os números estiverem disponíveis, serão divulgados.
Na opinião do ex-diretor de Planejamento da Urbs João Carlos Cascaes, os indicadores deveriam ser feitos por agentes independentes, a sociedade. “Avaliações técnicas deveriam ser feitas agentes reguladores independentes e laboratórios especializados sem qualquer vínculo com a administração pública”, defende.
Sem mudanças
Anunciada como inovadora, por ser a primeira da história de Curitiba, a licitação do transporte coletivo da capital paranaense, na prática, não trouxe mudanças. Com exceção da renovação da frota, nada aparentemente mudou.
De acordo com o coordenador do Fórum de Mobilidade Urbana, André Caon, a licitação não foi indutora de mudanças porque sua proposta era de manter a mesma situação. “O sistema tem uma ótima estética, mas nunca foi referência se compararmos com a agilidade, conforto e segurança do transporte individual privado”, afirma.
Para o economista Lafaiete Neves, autor do livro Movimento Popular e Transporte Coletivo em Curitiba, a licitação não foi democrática. “A participação popular através das audiências públicas apenas legitimou a nova composição do capital no controle do sistema de transporte coletivo de Curitiba, que é a mesma desde a década de 1970”, diz.
Segundo o advogado Victor Mazura, especialista em mobilidade, o edital de licitação não poderia ter feito muito pelo sistema. “O edital de licitação tem sérias limitações para induzir grandes alterações no modo de prestação do serviço de transporte público. As transformações surgem das leis urbanísticas, como a estrutura básica do sistema de transporte, suas premissas, gratuidades”, explica.
Com a palavra, os usuários
A Gazeta do Povo perguntou no blog Vida e Cidadania o que mudou depois da licitação do transporte coletivo de Curitiba. Veja alguns comentários:
Por mais de um ano usei a linha Cabral/Osório diariamente e tinha muitos problemas. O ônibus atrasa, anda sempre cheio e mais de cinco vezes a viagem foi interrompida porque teve problemas e simplesmente não saía do lugar. Agora pego o Interbairros II. Os motoristas são mais atentos à questão de não atrasar, porque sempre passam reto do ponto!
Juliana Guedes
Claro que mudou, os motoristas estão trabalhando dobrado, como motorista e cobrador, linhas com ônibus minúsculos, cada vez mais lotados. E o nosso prefeito preocupado em colocar televisão nos veículos. Quem conseguirá assistir em um ônibus em que as pessoas não conseguem nem entrar de tão cheio? Acredito que o interesse será transmitir as campanhas beneficiando o próprio prefeito. Que belo marketing.
Samara Filardo
Sou usuário da linha Circular Sul. Uma linha precária. Faltam ônibus. Substituíram os biarticulados por articulados. Os ônibus nunca estão no horário, vivem quebrando e sempre lotados. Se isso for referência mundial, o resto do mundo tá perdido. Os responsáveis pelo transporte coletivo de Curitiba deveriam dar umas voltinhas no Circular Sul lá pelas 7 horas ou 19 horas, talvez resolvam fazer alguma coisa.
Wilson dos Santos
Na verdade, o sistema nunca foi bom, por isso não enxergamos as mudanças. Ônibus novos e bonitos, a transformação es não passa disso. Existem exemplos de sistemas muito melhores em Londres ou Bogotá. O problema está na falta de investimentos. Nos últimos 30 anos, todos os recursos foram disponibilizados para os automóveis. O resultado caótico está aí.
José Aparecido Leite Gama
Fonte: Gazeta do povo 01/09/2011
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