Estoques de peixe estão no limite
Estudo mostra que 30% das populações de peixes estão próximas da extinção. No Brasil, pescadores já sentem os efeitos e especialistas culpam a extração descontrolada
A pesca no mundo está chegando ao limite e a tendência, segundo os especialistas, é de que, sem controle da produção e do consumo, o cenário fique cada vez pior. Segundo um relatório publicado na semana passada pelo Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), 30% dos peixes do mundo são superexplorados (e podem desaparecer) e outros 57% estão próximos do limite de extração sustentável.
No Brasil, a situação é bem parecida. “A tendência é acreditar na fartura dos estoques e achar que se pode pescar no Brasil como se os recursos nunca fossem acabar. Precisamos racionalizar a pesca e o consumo porque a situação está entrando em colapso”, alerta o biólogo e especialista em políticas públicas para o meio ambiente Tom Grando.
Alternativa
Aquicultura é tida como solução para manter reservas
Uma das soluções para controlar a superexploração dos estoques pesqueiros, segundo o professor da UFPR Antonio Ostrensky, é o investimento na aquicultura – criação de organismos aquáticos em cativeiro. “Hoje ninguém mais caça para se alimentar porque a pecuária cobriu essa lacuna, sustenta a produção de carne e comprar um bife se tornou muito mais barato do que caçar. Em médio e longo prazo, a pesca vai cair nessa dinâmica e vamos passar a consumir cada vez mais os produtos da aquicultura.”
O biólogo Tom Grando esclarece que, assim como qualquer atividade humana, a aquicultura gera impactos ambientais, principalmente no uso de recursos hídricos e produção de rações, mas o esforço vale a pena. “O impacto não é maior ou menor que o da pesca, mas tende a ser uma forma de minimizar os problemas [da superexploração].”
O professor explica que uma tendência que precisa ganhar força é a da aquicultura como forma de promover o repovoamento de rios e mares. “No Japão, há um investimento nessa área e os resultados são interessantes, porque aumentam a produção pesqueira e contribuem para a manutenção dos ecossistemas.”
Impactos são ambientais e econômicos
Os especialistas são unânimes: o progressivo esgotamento das reservas de peixes provoca uma série de impactos ambientais preocupantes. “A natureza funciona em um equilíbrio próprio: se você acaba com uma espécie de peixe, mexe com toda a cadeia alimentar e há um colapso nas outras populações, que podem se reproduzir descontroladamente ou entrar em extinção também. Do urso ao plâncton, passando pelos seres humanos, todos são afetados”, explica o biólogo Tom Grando. Há também os efeitos econômicos para as populações que vivem às margens de rios e mares. “Por acabarem os estoques que têm maior valor comercial, vão diminuindo os ganhos com a pesca, o setor empobrece e essa fonte de renda deixa de ser viável para as populações ribeirinhas”, alerta.
Espécies ameaçadas
No Brasil, as espécies que mais representam a superexploração dos estoques são os meros e as garoupas, que já contam com projetos de proteção na costa brasileira. No Litoral do Paraná é comum os pescadores das baías de Guaratuba e Paranaguá pescarem um volume menor que em anos anteriores e, no interior, é cada vez mais raro ver dourados, pintados, piaparas e piraputangas, espécies típicas do Rio Paraná. “No Rio Tibagi, esses peixes já sumiram”, explica o biólogo Tom Grando.
Produção
A produção pesqueira depende de água frias, que têm mais nutrientes, favorecendo a manutenção de grandes cadeias alimentares. No Brasil, como predominam as águas quentes, a atividade é bem menor. Por causa dessa baixa produção, o país é apenas o 18º produtor de peixes no mundo.
55,7 milhões de toneladas de pescado foram produzidas mundialmente a partir da aquicultura em 2010. O número é 7,5% maior do que em 2009, quando a produção foi de 59,9 milhões de toneladas.
“O tambaqui é um ‘patrimônio’ da Região Norte por sua importância. Mas hoje a maior parte desse peixe à venda por lá é proveniente da aquicultura, porque a pesca não é mais capaz de abastecer os mercados.”
Tom Grando, biólogo e especialista em políticas públicas para o meio ambiente.
Esse esgotamento das reservas, segundo o coordenador do Grupo Integrado de Aquicultura e Estudos Ambientais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Antonio Ostrensky, se deve a um conjunto de fatores, mas principalmente à própria atividade pesqueira.
Com equipamentos mais eficientes e cada vez mais gente vivendo da atividade, os pescadores apanham espécies menores ou peixes muito novos, que ainda nem se reproduziram, não há tempo para que os estoques sejam repostos e o número de peixes diminui. “No Brasil, temos uma produção que, em números, está estável e até cresceu em volume, em comparação com a década passada, mas pegamos peixes cada vez menores e mais baratos”, diz.
Nos mares, uma grande vilã é a pesca industrial descontrolada. “Na pesca do atum, é comum o barco pegar tubarões, golfinhos e tartarugas. Além disso, basta observar os barcos que passam redes pelo fundo do mar para pegar camarão. Eles arrebentam todos os ecossistemas ali e matam pequenos peixes que ficam agarrados às redes”, diz Ostrensky. Nos rios, o impacto também é causado pela alteração dos ambientes, principalmente devido à instalação de usinas hidrelétricas.
Incentivo
Em 2009, o Brasil criou o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), como forma de incentivar o consumo de peixes. Para o biólogo, a medida é “um tiro no escuro”, porque o Brasil não tem um monitoramento eficiente dos volumes que são retirados de rios e mares. “Sem saber quanto temos e quanto tiramos, fica difícil estabelecer os limites.”
Para evitar a extinção das reservas brasileiras, o segredo seria investir na longevidade dos estoques e evitar o desperdício, o que exigiria um comportamento menos extravagante tanto na pesca quanto no consumo. “Comemos de forma perdulária e matamos muito mais peixes que o necessário. Sabe-se que 10 kg de peixes são desperdiçados para conseguir um quilo de camarão.”
Medidas
Segundo Mutsuo Asano Filho, diretor do Departamento de Planejamento e Ordenamento da Pesca Industrial do MPA, a alternativa para reduzir o desperdício e ampliar o aproveitamento é investir em recursos pesqueiros que ainda não foram explorados por aqui e espécies que vivem em grandes profundidades.
Há clientes, mas falta tainha
Oswaldo Eustáquio, especial para a Gazeta do Povo
Em Paranaguá, no Litoral do estado, no período de abril a setembro, a espécie da época é a tainha, que geralmente no inverno abandona as águas frias do Rio Grande Sul e migra para os estados do Paraná e de Santa Catarina. Mas, de acordo com informações da Secretaria de Agricultura, Pesca e Abastecimento de Paranaguá, neste ano as águas do nosso litoral também ficaram geladas e a tainha não fez a migração. “Em 2012 a pesca foi de apenas 60 toneladas, menos da metade das 130 que foram pescadas no ano de 2011”, disse Alan Muller Mendonça Xavier, engenheiro de pesca da secretaria.
A ausência da espécie refletiu diretamente no trabalho dos pescadores. “Há poucos anos, a embarcação voltava sempre cheia. Agora, temos de trabalhar muito mais para pescar cada vez menos”, reclama o pescador Edinei dos Santos. O impacto pode ser sentido no Mercado Municipal de Paranaguá. “Neste ano, para tentar atender à demanda, tivemos de mandar vir tainha de Santa Catarina”, diz Valdir Pinheiro, presidente da Associação dos Revendedores de Pescado do Mercado Municipal de Paranaguá.
Para tentar reverter a falta de peixes, a Força Verde, ligada à Polícia Militar do Paraná, está fazendo rondas para evitar a entrada de grandes embarcações no Litoral paranaense e fiscalizando a baia em busca de equipamentos de captura de espécies acima do limite considerado sustentável. Os pescadores também fazem a parte deles. “Quando a gente pesca uma fêmea que está em processo de reprodução, nós devolvemos para o mar”, diz Santos.
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