domingo, julho 21, 2013

A geração que bagunçou a paróquia

Antônio More/Gazeta do Povo / Padre Rivael de Jesus Nascimento, jovens do Ahú e um dos suvenires da jornada: bagunça juvenil
A educadora curitibana Andréia Ferrari aproveitou as férias de julho para se atirar – de “corpo e alma”, como se diz – no que considera um momento histórico: a Jornada Mundial da Juventude. Tem trabalhado como uma missionária em terras infiéis. De todos os agentes da JMJ na capital, foi a que conduziu a maior trupe de peregrinos – 106 ao todo, parte deles poloneses, aos quais não deu trégua nem para o pierogi. Promoveu até caminhada do grupo pelas calçadas que ligam Santa Felicidade ao São Braz, bairro em que atua, fazendo com que muitos desavisados temessem ser mais uma manifestação de rua.
Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo / Jovens peregrinos no Bosque São Cristóvão, em Curitiba, na última quinta-feira: diversidade à forçaAmpliar imagem
Jovens peregrinos no Bosque São Cristóvão, em Curitiba, na última quinta-feira: diversidade à força
Não era. Mas a líder não tem medo de afirmar que, daqui para a frente, tudo vai ser diferente. E não propriamente porque nos próximos meses sua caixa de e-mails vai lotar de mensagens vindas de Cracóvia. Tal e qual milhares de leigos e religiosos católicos ligados ao Setor da Juventude – denominação dada a partir de 2004, ampliando a antiga Pastoral da Juventude –, Andréa entende que a jornada é resultado não de alguns meses de serviço pesado, mas de uma década em que se discutiu, à exaustão, o mais líquido e certo dos problemas: como atrair os jovens da era iPad para uma religião com 2 mil anos de estrada, marcada pelo rigor moral e pelo encolhimento. De acordo com o Mapa das Religiões da Fundação Getúlio Vargas, em 20 anos o rebanho católico diminuiu 15,2% no Brasil.
Know-how
A contar pelas cenas vistas na capital ao longo desta semana, pelo menos parte da equação parece resolvida. A Igreja sempre teve know-how com jovens. Basta lembrar a Ação Católica, que nos anos pós-Guerra varreu o mundo de idealismo com a metodologia do “ver-julgar-agir”. Ou da década de 1960, cuja imagem mais forte até pode ser a da moça de minissaia dançando iê-iê-iê, mas é também a época do seriado A noviça voadora e do rapaz com violão, tocando músicas religiosas numa roda de amigos. Difícil encontrar uma liderança civil que não tenha passado por uma reunião de grupo de jovem num sábado à tarde.
A euforia em torno da jornada bem lembra esses tempos idos, com o agravante de que os tempos de hoje são tão diferentes que dispensam apresentações. Ao conseguir o engajamento local de 5 mil jovens na JMJ, parte deles um dia secularizados, a Igreja mostra que fez a lição de casa na década em que esboçou sua reação à perda de fiéis, em especial os que têm menos de 25 anos. Gente como Andréia Ferrari é uma prova disso. Ela não se furta de comentar o que mais angustia os rapazes e moças que acompanha: a violência e a miséria, e a falta de sentido. “Eles esperam um discurso da Igreja sobre isso”, afirma.
O discurso existe, não é de hoje, mas ganhou, a duras penas, uma versão 3.0. Coube ao Setor da Juventude fazê-­la, virando de pernas para o ar até mesmo as práticas pastorais tidas como avançadas, a exemplo das que pregavam a inserção em favelas, nos idos da Teologia da Libertação. Foi preciso entender como veem-julgam-­agem jovens não mais nascidos de tradicionais famílias católicas, muitas vezes filhos de pais divorciados, quando não, sequer batizados. “Eles buscam uma experiência. Querem curtir. Estar lá, juntos, sentindo-se acolhidos. Se isso acontece, são capazes de fazer algo”, explica o sacerdote Alexsander Cordeiro Lopes, 34 anos, da Arquidiocese de Curitiba.
Pluralidade
Padre Alex, como é chamado, não é apenas um sujeito boa praça, com traquejo para lidar com os jovens. É um estudioso da juventude. Acumula milhagens em pesquisa acadêmica, mas também bate palmas na porta dos aproximados 137 grupos juvenis da Arquidiocese. Tempos atrás, isso seria impensável. Os conflitos ideológicos entre a Igreja Progressista e a Conservadora eram de tal monta que, ao se aproximar de um ou outro lado, padre Alex teria de mudar para o Oriente Médio, para se sentir seguro.
“Havia uma crise íntima na Igreja. Um abismo entre o que diziam os documentos eclesiais e o que praticávamos. Para cativar a juventude, tivemos de nos abrir para a pluralidade. Assumir os grupos que valorizam mais a emoção. Não sabíamos como. Aprendemos fazendo”, comenta, no lugar que se tornou seu hábitat natural – uma sala da Cúria Metropolitana, no bairro São Francisco, na companhia de jovens oriundos de vários movimentos, ali para realizarem uma tarefa que vá preencher aquele dia. Não lhes peçam para resolver o problema da África. “Tem de ser palpável. A jornada é. Por isso vai se tornar um marco pastoral”, alardeia.
Difícil duvidar. O Setor da Juventude realizou uma espécie de missão impossível no seio da Igreja. Amenizou as barreiras ideológicas. E tem mostrado que é possível conviver nos mesmos territórios. “Nos tornamos uma comunidade de micromunidades. Estamos reagindo à sociedade da solidão e do tédio”, festeja o padre Rivael de Jesus Nascimento, 37 anos, coordenador da Ação Evangelizadora da Arquidiocese. Na prática, sugere ele, a juventude anda mesmo é tirando do lugar a mobília das paróquias. É a melhor notícia desde que o papa João XXIII anunciou o Concílio Vaticano II.
Daqui pra frente
Padres e teólogos destacam linhas pastorais da Igreja Católica que devem ser reforçadas depois da visita do papa Francisco e da Jornada Mundial da Juventude
Cidade
A chamada “pastoral urbana” ocupa o centro dos debates eclesiais no país. Há necessidade de trocas de experiências, para saber como falar à população que vive em condomínios, sem tempo, acuada pela violência.
Clero
Apenas na Arquidiocese de Curitiba são 500 padres e 136 paróquias. É um dos melhores índices nacionais. Cativar os pastores para uma pastoral da juventude mais plural exigiu de pastoralistas, como padre Rivael de Jesus Nascimento, oferecer cursos e simpósios, de modo a transformar a questão em “um tema do coração”, como diz ele.
Domicílio
Ganha impulso a prática pastoral do atendimento na casa dos fieis – inclusive para prepará-los para os sacramentos.
Gestos
Tudo indica que o estilo pastoral do papa Francisco – dado a pequenos gestos de simplicidade e despojamento – seja reforçado na JMJ, dando uma nova afinação à ação do clero, dos leigos e, em particular, à nova juventude católica.
Missão
Antes de moralizar, a pastoral tende a assumir o papel de samaritana e missionária, acolhendo as pessoas e suas diferenças, trabalhando na promoção humana. Esse espírito, a propósito, responde aos anseios da juventude que se aproxima da Igreja.
Território
As estruturas paroquiais não respondem mais às necessidades, em especial dos jovens, que tendem a circular mais livremente, fazendo suas próprias divisas. Estima-se em 50 mil o número de jovens que participam de atividades na Arquidiocese de Curitiba. Dividem-se em 17 movimentos diferentes. O tema ainda é motivo de debates na Igreja, que segue modelo de território adotado no Concílio de Trento. A palavra que melhor define o atual estágio é “setorização” – traduzida como “uma comunidade de várias comunidades.”
Universalidade
A JMJ tende a reforçar o caráter universal do catolicismo, chamando para uma Igreja em movimento, aberta a outros povos e culturas. A campanha da Fraternidade de 2014 tratará da mobilidade humana.

http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/jornada-mundial-da-juventude/conteudo.phtml?tl=1&id=1392580&tit=A-geracao-que-baguncou-a-paroquia

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