quinta-feira, março 17, 2011

Curitiba “encampa” radares hoje.


De forma surpreendente, a Urbanização de Curitiba S/A (Urbs) informou que passa a operar os 119 radares de trânsito da capital a partir de hoje. A operação começa dois dias após o prefeito Luciano Ducci determinar a rescisão do contrato com a empresa Consilux e antes mesmo da conclusão da análise da Procuradoria-Geral do Município sobre as consequências do rompimento unilateral do acordo firmado via licitação em 2010. A análise deve determinar, entre outros, quanto custará aos cofres públicos o encerramento do contrato. A decisão de cancelar o acordo foi tomada após denúncias de manipulação de licitações, pagamento de propina e adulteração de multas envolvendo a empresa feitas em reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo.

Ducci anunciou na terça-feira a intenção de estatizar o sistema de radares, mas não está claro como isso vai ocorrer, já que várias questões ainda não foram esclarecidas. Os equipamentos, por exemplo, pertencem à Consilux. A prefeitura apenas “emprestava-os”, pagando por sua utilização, conforme previsto no contrato.

De acordo com o diretor-presidente da Urbs, Marcos Isfer, ainda não existe uma definição sobre a propriedade dos radares. “Não posso afirmar algo que ainda não está definido do ponto de vista jurídico. Posso dizer que, pela previsão do nosso contrato, é possível a rescisão e estamos rescindindo. A utilização dos equipamentos, por ser um serviço essencial, também é possível. Com relação a quem vai ficar com estes equipamentos e durante quanto tempo a prefeitura ficará ou não com eles, só após a análise jurídica”, explica.

Nurce

Denúncia vira caso de polícia

O Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos (Nurce) da Polícia Civil anunciou ontem que vai investigar as denúncias envolvendo a Consilux. Os policiais já têm em mãos o contrato da empresa com a prefeitura. O Nurce quer saber se há alguma irregularidade no sistema de radares de Curitiba. A reportagem do Fantástico mostrou a existência de uma “máfia de radares” no país, que movimenta cerca de R$ 2 bilhões por ano via pagamento de propinas.

Além da Consilux, as empresa Perkons e Dataprom, que já prestaram serviços para prefeitura da capital, foram citadas na reportagem. Segundo o presidente da Urbs, Marcos Isfer, o caso da Perkons é distinto. “O que foi contratado foi a atualização tecnológica das lombadas eletrônicas. Quem opera e tem a propriedade é a prefeitura”, explica.

Já a Datapromestá testando um sistema de tecnologia móvel 3G no transporte coletivo. Isfer explica que o serviço foi contratado pelo Instituto Curitiba de Informática. (GA)

Perguntas sem respostas

Algumas questões sobre a situação dos radares em Curitiba ainda não foram esclarecidas:

Como o contrato entre Curitiba e a Consilux será rescindido? Quais argumentos jurídicos irão sustentar o cancelamento?

Não há uma resposta clara. A prefeitura se baseia no artigo 78 da Lei de Licitações, que afirma que o “interesse público” justifica o cancelamento do contrato. Entretanto, de acordo com especialistas em Direito Administrativo, o “interesse público” não é justificativa suficiente para quebrar um contrato em andamento e cujos serviços estão sendo efetivamente prestados como previsto na licitação.

Além disso, é também certo que, ao romper um contrato, a administração pública precisa pagar uma multa (se prevista) e indenização por lucros cessantes.

A partir de quando o contrato com a Consilux será rescindido?

O prefeito Luciano Ducci não soube informar. Ele disse apenas que a procuradoria irá fazer “todos os estudos para que ocorra a rescisão no tempo mais rápido possível”.

Quanto isso custará à prefeitura? Os equipamentos utilizados também não são da prefeitura. Ela vai comprar os equipamentos? Vai continuar emprestando?

O diretor presidente da Urbs, Marcos Isfer, não soube responder. Por enquanto, a prefeitura vai utilizar os equipamentos da Consilux, mas não sabe por quanto tempo.

O presidente afirma que tudo depende do processo de rescisão do contrato que está sob análise da Procuradoria-Geral do Município.

Outro empecilho é o software utilizado na operação, que também é da empresa. A Consilux pres­­ta suporte e manutenção desse software. Isfer garante que, com o cancelamento do contrato, isso não será um problema. “Mesmo com a rescisão, eles vão ter que transferir a tecnologia. Trans­ferindo, eu vou capacitar pessoas”, afirma. Entretanto, o diretor não informou quando isso ocorrerá.

Para gerir completamente o serviço de geração de 2,7 mil multas diárias produzidas na capital, a Urbs deve contratar mais funcionários. “Por enquanto, estamos colocando servidores da própria Urbs para continuar a operação. Temos digitadores, um gerente e um coordenador. Para fazer a manutenção dos equipamentos, eu ainda não tenho gente, mas isso não é uma coisa que eu precise já. Mas todos [os novos funcionários] serão concursados”, revela. Ele não soube informar quantos serão necessários. Isfer também desconhece quanto custará a estatização do sistema, que será operado integralmente na própria sede da Urbs.

A Consilux arrecadava cerca de R$ 950 mil por mês para operar os 119 radares em funcionamento (outros 21 deveriam ser instalados, segundo o contrato) e 18 lombadas eletrônicas (outras 32 seriam colocadas em operação no futuro) em Curitiba. Ao todo, a capital tem 43 lombadas em operação – 25 são operadas pela própria Urbs e foram fornecidas por outra empresa, a Perkons.

O contrato da Consilux iria até abril de 2012. Procurada pela Gazeta do Povo, a assessoria de empresa informou que ainda não foi comunicada oficialmente da rescisão do contrato nem sobre o encampamento dos radares pela Urbs, e não se manifestará enquanto isso não ocorrer.

Argumento frágil

Para rescindir o contrato, a prefeitura usou o inciso 12.º do artigo 78 da Lei de Licitações (Lei Federal nº 8.666/1993), que diz que constituem motivo para rescisão do contrato “razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato”.

Mas essa justificativa, de acordo com o advogado Marçal Justen Filho, especialista em licitações públicas, é vaga. “Quem invoca o interesse público deve demonstrar a sua existência no caso concreto, indicando o risco de sua lesão em caso da ausência de adoção de uma certa providência”, afirma.

Segundo o jurista, se a empresa venceu legalmente uma licitação e os serviços estão sendo executados como previsto no contrato, a administração pública não pode rompê-lo unilateralmente. “A decisão administrativa de extinguir um contrato pressupõe a realização de um prévio processo administrativo, em que seja assegurada a ampla defesa, o contraditório e a imparcialidade no julgamento”, diz. Isso, até agora, não ocorreu.

Procurada pela reportagem há dois dias via assessoria de imprensa, a procuradora-geral do município, Claudine Camargo Bettes, não retornou os pedidos de entrevista.

Fonte: Gazeta do Povo/ 17/03/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário