domingo, julho 08, 2012

Supercirco




O Circo dos Super-Heróis tem pelo menos um indivíduo que parece mesmo alguém sobre-humano. Ele usa sempre tênis Converse All Star preto de cano alto até o joelho e troca de roupa dependendo da missão que assume. Embora não voe, chega bem perto disso. Seu nome verdadeiro é Naim Félix do Nascimento da Silva, mas ele prefere ser chamado de Thiago.
No bairro Vila Nova, em Curitiba, a neblina abraçava o público à espera da apresentação do circo numa noite gelada de junho, com ingresso a R$ 1,99, em frente da fachada de metal com pinturas descascadas de heróis.
Um grupo de 13 pessoas, contando artistas e equipe técnica, dá conta de montar o circo em 24 horas de trabalho pesado, divididas em dois dias.
É um esquema de guerra. Como funciona sem a permissão da Prefeitura e não há dinheiro para pagar as taxas cobradas, o circo precisa escolher no olho onde armar a tenda e montar tudo muito rápido assim que encontra um lugar. O grupo estaciona os trailers ao lado de um campinho de futebol, carrega os apetrechos e ergue uma lona surrada, mas que termina impecavelmente instalada.
O palco é no chão mesmo, delimitado por outro pedaço de lona estendido em meia-lua. Duas caixas de som parecem pequenas pelo barulho que conseguem fazer. E dá para contar os refletores de luz nos dedos de uma mão.
Naquela noite, do lado de fora da tenda, bebês, crianças – algumas usando só camiseta e chinelo de dedo –, mães e pré-adolescentes esfregavam os braços para encarar o ar enregelado. Fazia uns 10 graus. Até que Thiago anunciou a abertura dos portões pelo sistema de som, carregando o fim das frases com vogais anasaladas: “Sejam bem-vindos ao circuããããã! Cadê os aplausuãããs?”.
Pior é que também estava frio dentro da tenda alta como um prédio de três andares. A diferença era que, sentado nas cadeiras de armar carcomidas pela ferrugem e nas arquibancadas de madeira úmida, o público parecia entretido o suficiente para não se incomodar com a temperatura.
Thiago deixa o microfone para se preparar. Ele é um dos malabaristas que abrem o espetáculo.
Quando termina o número com os “malabares rápidos, modernos e comunicativos”, segundo o animador que assumiu o microfone, Thiago sai rápido pela fenda no tecido preto atrás do palco e corre até o trailer para se maquiar. Nesse tempo, o público fica com o “rola-rola maluco”: um rapaz magérrimo se equilibra numa tábua de madeira apoiada sobre um pequeno rolo – pense numa régua apoiada sobre a lateral de um copo deitado. Enquanto faz força para não cair, ele passa uma argola pelo corpo, depois tira parte da roupa, em seguida a veste de volta.
Pouco depois, o palhaço Cheirosinho entra em cena: Naim, maquiado, usando uma bermuda gigantesca, suspensórios, um chapéu vermelho e os indefectíveis tênis de cano alto. “Mas o palhaço que eu vi uma vez tinha um nariz vermelho redondo”, observou um menino de 8 anos que disse ter gostado dos “labaralistas”. Naim, não.
Nota-se o carisma do palhaço. Ele faz o público rir, aplaudir e cantar. Um público parecendo cansado de um dia de trabalho, no caso dos adultos, e preocupado em como voltar para casa por causa do bairro violento, mas envolvido com o show, com as pipocas e com aquelas que são as estrelas entre as guloseimas vendidas pelo circo: as maçãs do amor. Numa noite, foram vendidas mais de cem maçãs. Pipoca, crepe, espetinho, tudo tem o preço unitário de R$ 3. “Para as pessoas aproveitarem o troco do ingresso”, explica a moça sorridente atrás do balcão, que é também ajudante de palco.
O palhaço tem dois parceiros, uma moça de vestido vermelho e o irmão de Naim. Os três fazem um número que lembra um pouco as piadas dos Trapalhões, com dois sujeitos querendo ganhar a mulher, mas um se dando bem e outro se dando mal.
Cheirosinho faz piadas e algumas são ousadas para a criançada que ri mesmo sem entender o que ele quis dizer com “ver a barba do Lula” ao expiar debaixo da saia da moça.
Sai o palhaço, entram os Filhos do Sol, dois engolidores-cuspidores de fogo. As luzes se apagam e a música segue martelando as orelhas enquanto os animadores se revezam nos comentários. “É um número extremamente arriscaduããã”, diz o homem do microfone.
A música marteladora é peça-chave do espetáculo. Rio Negro e Solimões e Michel Teló arrancam uivos da plateia. A noite termina com um número bizarro em que Thiago e dois garotos dublam músicas das Mamonas Assassinas. E a tenda canta junto.
O ápice da primeira parte é o número do atirador de facas. Três moças com pouca roupa – o que era ainda mais notável naquela noite invernal – se encostam em uma lâmina de madeira do tamanho de uma cama de solteiro, sustentada por outro ajudante de cena. O atirador de facas pede animação, mais música, mais alta, enquanto arremessa as facas ao redor das assistentes. Adivinhe quem é o atirador de facas? Thiago, também.
Naquela noite, ninguém se machucou, mas acidentes aconteceram antes com uma das garotas que continua participando do número, parecendo indiferente ao risco. Ela é mãe da criança pequenininha que invade o espetáculo de tempos em tempos, dança no palco e faz pose para chamar atenção até ser removida dali por Thiago como se fosse uma pequena mala com alça. A plateia se diverte.
Perto das 22 horas, Naim anuncia um intervalo para que o público possa se abastecer de comida. Para o pessoal do circo, é a chance de fazer mais um "dinheirinho”. Então o palhaço-malabarista-apresentador-dublador-atirador-de-facas deixa o palco para vender balas de goma.
Se o ponto alto da primeira parte é Cheirosinho atirando facas ao redor de três moças, o da segunda é quando o palhaço se aventura no trapézio: um balanço amarrado no mastro principal da tenda.
Não bastasse tudo, Thiago ainda é trapezista.
Ele quase cai, fingindo perder o equilíbrio, escala as cordas do balanço e despenca lá de cima, se segurando pelo pé. Salta para o chão, sobe de novo no balanço e se embala até bater a cabeça na tenda (um dos momentos em que as crianças mais riram). Salta, cai em pé e agradece os aplausos.
No fim, retoma o microfone e pede para o público fazer propaganda se tiver gostado do circo. E não falar nada se não tiver gostado. “Pra gente poder pegar outros trouxas”, diz na voz do palhaço, dando uma risadinha sacana.
Fonte: Gazeta do povo 08/07/2012

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