segunda-feira, abril 18, 2011

Pacto de paz entre gangues rivais na Vila das torres

Há uma semana, um clima messiânico tomou conta da Vila Torres,zona favelizada mais antiga de Curitiba, ao lado das vilas Parolin e da Nossa Senhora da Paz (antigo Inferninho do Santa Quitéria). Não se sabe ao certo o que se deu. Mas a versão que corre de porta em porta pelos 1.028 domicílios do bairro é que líderes das duas gangues rivais se encontraram num shopping e decidiram baixar as armas, pondo fim a um terror que já dura 15 anos.

Em todo esse tempo, de acordo com relatos dos moradores, era rara a noite em que não se escutava pelo menos um estampido de bala. Mas desde o domingo 10 de abril não há sinal de tiroteiros. E o melhor: a “linha proibida”, como é chamada a Rua Guabirotuba, se tornou um território livre, o que tem gerado uma euforia nas ruelas e becos. A circulação entre um lado e outro virou programa de família.

“Estou revendo pessoas que não encontrava havia muito tempo”, festeja o comerciante José Cordeiro, líder comunitário e dono de um dos bares do “lado de cima”. Conhecida por sua organização comunitária exemplar e por ser o maior celeiro de reciclagem de lixo da cidade, a Torres vivia às voltas com as restrições de trânsito interno, impostas pelos traficantes – notadamente jovens.

Ainda com receio de tocar no assunto, moradores admitem que nem o cheiro do Rio Belém, nem o abandono do poder público são piores do que a guerra entre as facções. Indagados se são tão jovens assim – afinal, já se passaram 15 anos desde o início dessa história – a resposta é sempre a mesma. “Os de 15 anos atrás já morreram...”

Estima-se, por alto, que dos 8,5 mil moradores da vila, 2 mil, 27%, estejam na faixa dos 18 aos 30 anos, justo a mais suscetível às armadilhas do tráfico. A base de cálculo é um estudo da Cohab para a Vila Prado, área lindeira do Belém, em processo de regularização fundiária, e que faz parte das Torres. É senso comum que uma pequena parcela de jovens comanda as bocas de fumo, tendo como tática de poder cercar rapazes e moças da mesma faixa etária, intimidando, por extensão, também os pais e irmãos.

“Já cancelamos de véspera uma festa da comunidade. Como é que podíamos comer bolo ao saber que três rapazes tinham sido executados ali em baixo. Já pensaram como é a vida das mães das Torres? Muitas têm filhos mortos. Para mim, o que está acontecendo é fruto das lágrimas e preces das nossas mulheres”, exalta-se Cordeiro.

O presidente da Associação de Moradores da Vila das Torres, o eletrotécnico Marcos Eriberto dos Santos, estima que em uma década e meia 60 jovens tenham sido assassinados nas divisas da comunidade. “Afetou o direito de ir e vir. Muita coisa ficou pelo caminho por causa disso. Desde às 6 da manhã tem alguém rezando para isso acabar. Acho que acabou.”

Índice pelada

O “medidor de alta tensão” na Vila Torres é a operação desmanche dos seis times de futebol da vila – principal lazer dos jovens –, a cada vez que as relações ficam estremecidas. Campo vazio, campeonato peladeiro suspenso e conjuntos de camisas fora dos varais sempre foi mau sinal. De uns dias para cá não se fala em outra coisa senão em futebol.

O campo fica “no lado de baixo”, menor, menos habitado – algo como 3 mil habitantes – onde estão também a unidade de saúde, a creche, o CRAs, as duas escolas da região e o posto policial. O “lado de cima”, maior e onde está concentrado pelo menos metade dos 50 estabelecimentos comerciais da vila, vira-se como pode.

José Sanches, o Baleia, dono do espetinho mais famoso da redondeza, criou um museu com fotos antigas da Torres, uma praça psicodélica e uma biblioteca com livros recolhidos do lixo. Se não tem bola, tem o complexo do Baleia. Quando não há como desviar, inventa-se um jeito. As mulheres que precisavam ir à unidade de saúde – símbolo máximo do poder público numa comunidade carente –, passavam por dentro da PUC, evitando serem molestadas.
A Secretaria Municipal de Saúde prefere não se manifestar, por achar um fato muito recente e o tema delicado. Informa que os profissionais da unidade nunca foram impedidos de circular, mas que, no melhor do estilo “Maomé vai à montanha”, já mandou equipes atenderem em igrejas, por exemplo, por causa das restrições do trânsito para o “lado de baixo”. O órgão municipal admite que na última semana houve aumento de procura por consultas – cuja média é de mil por semana. Pode ser, no entanto, um movimento puramente sazonal.

Segundo as lideranças, não raro muitos moradores chegaram a fantasiar a gravidade das proibições, agindo por precaução. Os mais velhos sempre puderam “subir e descer”, admitem. Mas uma boa parte prefere não arriscar, de modo a não provocar os estranhos humores que regem os comandos da vila – como o do “setembro e outubro negro” de 2008, com saldo de nove baleados, cinco mortos e a execução arbitrária de André dos Santos Neves, “um inocente”, como bradam.

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