sábado, novembro 12, 2011

Um trabalho de formiguinhas

Do ponto mais alto do Jardim Gabineto – uma das 83 vilas que formam a Cidade Industrial de Curitiba (CIC) –, os estudantes de Psicologia Louise Zacarias Vieira, 22 anos, e Carlos Henrique Santos, 28, olham a paisagem típica de periferia: uma selva de prédios ao fundo e uma imensidão de telhados na margem. Dali, para os dois universitários, é impossível não refletir sobre o futuro dos 172 mil habitantes do bairro. Para os dois universitários em particular.

Louise e Carlos são os agentes comunitários responsáveis pela implantação da Rede de Desenvolvimento Local em duas áreas da região – o Gabineto e o Conjunto Oswaldo Cruz I. Jun­tas, essas áreas somam 20 mil moradores. Na CIC tudo é gigantesco, inclusive os problemas, como o projeto tem mostrado. Os agentes se deparam todos os dias com os efeitos da violência na comunidade. Ela não leva apenas vidas – leva também a coragem e a disposição para se reunir e enfrentar os problemas.

A Rede de Desenvolvimento Local é uma iniciativa da Federação de Indústrias do Paraná (Fiep) e do Serviço Social da Indústria (Sesi). Seu formato é simples – com a ajuda de universitários, aplica-se um extenso questionário para identificar desejos da população, do lazer ao trabalho, passando pelo transporte e pela pavimentação. Ao mesmo tempo, os agentes estimulam a formação de grupos de discussão e ação. Uma vez aumentada a capacidade de organização comunitária e identificadas as lideranças, a rede dá seu trabalho por encerrado, mas com manutenção.

O líder comunitário Antônio Monteiro Sobrinho, o Seu Toninho, diz que o Gabineto é um local privilegiado, apesar da falta de segurança e das vazantes do Ribeirão dos Müller: “Quem já saiu, voltou. Aqui a água é doce”

Pesquisa
Perigo define geografia no Gabineto

A Rede de Desenvolvimento Local no Jardim Gabineto está na fase de “levantar os ativos”, ou seja, descobrir o que tem, o que não tem e o que precisa ter no bairro. Vencer esta etapa da pesquisa é dureza: cada conversa chega a levar 40 minutos. Vale cada uma delas: ao final, não raro, identifica-se uma nova liderança. E uma história que pode explicar os subterrâneos da CIC – esse grande dicionário dos dilemas urbanos.

É o caso de Dorvalina de Souza, 77 anos, uma artesã – mas talvez não saiba.“Faço tapetinhos com retalhos”, conta, orgulhosa, sentada em um sofá do lado de fora de casa, sobre a habilidade que pode ajudar uma rede a funcionar e a fazer diferença. Tomara a violência permita que isso aconteça.

“Dorva” é uma das primeiras moradoras “do outro lado do rio”, como são chamados informalmente os que vivem no Gabineto de Baixo, nas rebarbas do Ribeirão dos Müller. Vive ali há 27 anos. Mas muito do que se diz nesses tempos de organização popular e comunitária é para ela pura novidade.

Violência

Entre “sins e nãos” à pesquisa da rede, ela afirma nunca ter ouvido falar de conselhos de segurança e tampouco nos casos de mobilização de moradores. Mas está por dentro das questões que a tocam diretamente: avalia a academia de ginástica ao ar livre e os programas voltados para a terceira idade. Quando é indagada sobre violência, sua reação é típica: olha para o lado e aponta. “Violência é lá no Barro Preto”. O morador da periferia tende a achar que os males estão em outro lugar. Basta perguntar-lhes: “O crime foi ali em baixo. Nesse lado da rua não tem disso não.”

O Barro Preto do qual fala Dorvalina é uma região indefinida. Sabe-se que é “para lá do posto de saúde” e nada mais. Do lado contrário ao Barro ficam “os Baianos”. É assim que os moradores da CIC fazem geografia – pelas zonas de influência e de perigo. E assim, nas entrelinhas, manifestam que há disputas por territórios na região onde vivem. Onde isso acontece mora a insegurança. Não é assunto do qual gostem de falar.

Mobilização

O que é a Rede de Desenvolvimento Local

A Rede de Desenvolvimento Local foi montada com a intenção de ajudar a comunidade a assumir o papel de protagonista. A metodologia de atuação prevê oito etapas que incluem a instalação do comitê articulador, composta por voluntários; a articulação da rede local; um seminário – “Visão do futuro” – no qual os participantes traçam o “Mapa dos Sonhos”, ou seja, o que almejam para sua região nos próximos dez anos; pesquisa das necessidades de todos os moradores; elaboração do plano de metas; formação de uma agenda local de prioridades para o próximo ano; formalização do pacto local com as lideranças; e a realização da agenda com a construção de um projeto de continuidade. Atualmente, 50 bairros de Curitiba são atendidos pela rede, com 9 mil pessoas conectadas.

Serviço:

Para articular a Rede de Desenvolvimento Local em sua comunidade entre em contato pelo (41) 3271-7423, no site www.desenvolvimentolocal.org.br ou pelo e-mail desenvolvimentolocal@sesipr.org.br.

Percalços

Não tem sido fácil. Até pouco tempo, havia agentes em outras nove comunidades da CIC, fora o Gabineto e o Oswaldo Cruz: as vilas Verde, Vitória Régia, Caiuá, Diadema, Santa Helena, Itatiaia, Atenas I e II e Zimbros. Mas o trabalho não sobreviveu ao esvaziamento constante de participantes. Motivos? Não é difícil adivinhar.

Na Vila Verde, por exemplo, o projeto iniciou no segundo semestre de 2010. Começou bem, mas perdeu o fôlego, conta a estudante Aline Nascimento, 22 anos, que precisou encerrar as atividades, num caso típico dos percalços da ação comunitária, mas também da inibição trazida pelo crime. Vale lembrar que no Mapa do Crime a CIC conta 115 mortos neste ano.

Em princípio, conta Aline, os agentes adotaram a ideia. A rede agregou profissionais da saúde e da ação social, membros de ONGs e moradores de primeira viagem. Com o tempo, o grupo foi esvaziando. “Foi frustrante”, diz. Para a futura psicóloga, faltam maturidade e generosidade aos que pretende participar de um programa dessa natureza. “É um processo longo. Não é de uma hora para outra que você convence uma população que está acostumada com o assistencialismo”, analisa.

Mapa dos Sonhos

Nas áreas de Louise e Carlos já foram cadastradas e entrevistadas 170 pessoas. Até agora, o que os consultados mais pedem e querem – como era de se esperar – é a diminuição da violência. O item “segurança” é onipresente em todos os pontos da pesquisa, incluindo o “Mapa dos Sonhos”, com folga a etapa mais interessante do levantamento.

Os moradores dizem como imaginam seu bairro daqui a uma década. A “malícia” da pergunta é instantânea: ao responderem, eles entendem que o futuro virá se todos trabalharem para isso. “O futuro só será positivo se houver conscientização e participação”, resume Louise.

Futebol divide grupos

Para o líder comunitário da Associação do Jardim Gabineto, Antônio Monteiro Sobrinho, 64 anos, a divisão de áreas naquelas bandas, veja só, começou pelo futebol. O time do Barro Preto se estranhou com o dos Baianos. Os pontapés e agressões evoluíram para saber quem domina o tráfico, o famoso “quem é que manda”, lembra uma moradora que prefere não se identificar. “Pior do que está não fica.”

A partida entre times adversários ainda não acabou: teve mãe com filho morto e mulher que precisa visitar marido na prisão. Esse saldo afeta os resultados da rede, é claro. “Participar do projeto, sei não. Dá muita visibilidade”, justifica uma moradora de um local onde uma placa de trânsito chega a ter sete marcas de tiros.

Seu Toninho, líder comunitário com “23 anos de liderança nata”, como gosta de afirmar, rebate parte das reclamações sobre o Gabineto. Para ele, o bairro é privilegiado. Fala da estrutura e da qualidade de vida, resultado das parcerias firmadas com a comunidade e com o poder público. “Quem já saiu, voltou. Aqui a água é doce”, brinca. Mas Toninho admite: entre os males da região está a falta de segurança e as vazantes do Ribeirão dos Müller. E o jovem que “não abre a cabeça” para participar e tomar as rédeas do futuro do local que mora. “Estamos muito atrasados nessa área”, provoca.

Sonho que saiu do papel

No Conjunto Oswaldo Cruz I – vizinho da Vila Nossa Senhora da Luz e um dos mais tradicionais da CIC – 99 pessoas já integram a Rede de Desenvolvimento Local. O projeto teve início ali em maio de 2010 e, como se diz, já começa a andar com as próprias pernas. Está na fase “pacto local”. A maior conquista, até agora, foi ter conseguido motivar uma associação de moradores. “A turma de lá percebeu que é mais forte se estiver unida”, diz Carlos Henrique Santos – agente do projeto no local.

Mas o Oswaldo Cruz quer mais. Entre os sonhos para os próximos dez anos estão mais postos de saúde e creches; projetos para prevenção do uso de drogas; escolas e câmeras. A quase centena de participantes promete não parar por aí. Para um dos membros da rede, Viviane Bayer Mença, 20 anos, a partir da união dos moradores se começou a perceber mudanças. “A formação da rede propiciou às pessoas se conhecerem melhor e formar uma corrente de amigos, o que vai ajudar no desenvolvimento do lugar onde moramos”.
Fonte: Gazeta do povo 12/11/2011

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